NA CORDA BAMBA

Profissionais do transporte rodoviário de cargas enfrentam aumentos constantes no custo da atividade. Conflito no Leste europeu vem impactando ainda mais o setor.

Capa / 05 de Maio de 2022 / 0 Comentários
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O transporte rodoviário de cargas (TRC) é, sem dúvidas, um termômetro da atividade econômica. O setor é impactado “na veia” quando insumos, peças e serviços sofrem reajustes. Os transportadores não conseguem absorver os aumentos sucessivos dos combustíveis e das commodities (como aço e ferro, que compõem as autopeças) nem repassá-los em uma proporção justa por meio do frete.

“Estamos em uma situação extremamente delicada. Já são mais de dez anos de sufoco, e o transporte rodoviário de cargas trabalha estrangulado. Apesar de algumas iniciativas buscarem estabilizar o setor, como a tabela mínima de frete, no fim, as contas não fecham: as receitas não cobrem as despesas. Isso acontece por causa de fatores estruturais e do atual contexto”, analisa o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga do Vale do Paraíba (Sinditac), Everaldo de Azevedo Bastos.

Ele também destaca problemas antigos que permanecem sem solução, como a infraestrutura deficitária, a insegurança nas estradas e a concorrência desleal. “A Lei 11.442/2007 normatizou as categorias do transporte rodoviário de cargas e as exigências para o exercício da atividade de forma remunerada. Porém, no dia a dia, a exclusividade foi extinta. Por exemplo, se uma empresa que produz tijolos vai entregar o material a um cliente, ela aproveita para fazer o transporte de qualquer tipo de carga. Essa situação acontece o tempo todo e gera um desequilíbrio no mercado. Aqueles que têm o transporte de cargas como atividade-fim são prejudicados, pois ‘concorrem’ com quem não tem os mesmos compromissos normativos, fiscais, tributários etc.”, pondera Bastos.

Para ele, esse cenário torna evidentes os interesses econômicos. “Quando precisam, o transporte rodoviário de cargas se torna uma atividade essencial. É só nos lembrarmos do auge da pandemia: garantimos o abastecimento de comida, remédios, insumos e tudo o que era necessário para enfrentar a doença. Naquele momento, nos deram um bom status, mas continuamos sem o suporte para um trabalho seguro. Os autônomos foram compromissados e trabalharam por um bem maior, desbravando o país e contando com a ajuda de associações e sindicatos”, frisa o dirigente.

Atualmente, um dos maiores entraves para o segmento tem sido a escalada nos preços dos combustíveis e dos insumos. No caso do diesel, que tem uma parcela importante na composição dos custos, existe um delay entre o valor praticado e a tabela de frete mínimo. Bastos explica que os postos aplicam instantaneamente o reajuste quando a Petrobras anuncia o aumento. No entanto, na tabela, o novo valor começa a aparecer entre 10 e 15 dias depois. “Esse atraso piora ainda mais a situação. É preciso haver uma solução urgente para controlar o aumento dos custos e, assim, permitir que os autônomos trabalhem com um mínimo de planejamento financeiro”, salienta o presidente do Sinditac.

Pagando para trabalhar

O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes, reforça os argumentos do presidente do Sinditac e relembra como era a gestão da política de preços no transporte rodoviário de cargas no passado. “Em 1985, quando o extinto Conselho Nacional do Petróleo aumentava o valor do combustível, automaticamente, ajustávamos o custo do frete de forma proporcional. Contudo, a livre concorrência deixou o mercado desleal, e a tabela de preços mínimos chegou para tentar normatizá-lo. Porém, atualmente, esse instrumento não consegue acompanhar os aumentos sucessivos”, lamenta Arantes.

Ele exemplifica que uma peça como o tambor de freio custava, há alguns meses, cerca de R$ 350 e, hoje, custa R$ 700. A balança de suspensão passou de R$ 180 para R$ 380, mas o frete não foi corrigido na mesma proporção. “O transporte de São Paulo para Salvador, voltando com carga para a capital paulista, fica em torno de R$ 14 mil. Se você contemplar tudo no custo – pedágio, motorista, alimentação, estada, combustível, despesa com manutenção –, o frete-retorno não paga nem o diesel. Muitas vezes, estamos pagando para trabalhar”, afirma o presidente da Apac Sul.

Questionado sobre se as isenções fiscais e tributárias para o TRC seriam a solução, Arantes é categórico: “O foco sempre deve ser o frete. É preciso que ele reflita a realidade e que os contratantes paguem por ele. Os impostos são a consequência da atividade econômica e devem ser aplicados de forma correta em políticas públicas como saúde, educação e segurança. Não adianta maquiar os preços e usar a estratégia de cada dia aumentá-los um pouco. É preciso responsabilidade para assumir os reajustes e garantir que toda a cadeia produtiva trabalhe de forma correta”, diz.

Desafio na gestão

As associações, os sindicatos e as entidades patronais têm, constantemente, buscado ajudar os seus associados e filiados no controle rigoroso dos custos. “Há um empenho permanente em informar e ensinar sobre a importância da gestão, além de sempre recomendar o repasse imediato dos aumentos em seus contratos e trabalhar com uma remuneração justa. O transportador que não repassa o aumento dos custos está fadado a acabar”, enfatiza Gladstone Lobato, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg) e vice-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg).

Ele explica que o setor é muito expressivo, formado por diversos segmentos, e que cada um tem os seus desafios. “No entanto, alguns deles são comuns a todos, e eu destaco a infraestrutura do país em geral. Os transportadores já sofriam com a falta de caminhões e com a alta nos preços dos veículos, dos insumos e dos implementos rodoviários – que, diante da precariedade das estradas brasileiras, estava cada vez mais acentuada –, além do alto custo com manutenção e mão de obra. No ano passado, a inflação do setor superou os 35%, e os preços dos caminhões e implementos rodoviários aumentaram mais de 55%”, relembra Lobato.

Ele ainda reforça que, com as chuvas de janeiro último e a deterioração das rodovias, a situação ficou mais difícil e os custos, mais elevados. Segundo o presidente do Setcemg, o Brasil gasta mais com acidentes do que com prevenção e infraestrutura. “Infelizmente, não vislumbramos um cenário de recuperação tão cedo. Na BR-381, por exemplo, foi feito um desvio precário que deverá ser usado por um bom tempo, atrasando a viagem e aumentando os custos. Na BR-262, em Rio Casca, nada foi feito até agora”, critica.

Um dos caminhos para garantir as atividades do transporte, de acordo com Lobato, é a implementação de uma nova política de preços para os combustíveis que traga previsibilidade para as empresas que dependem dele para operar e para os demais consumidores.

O presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto/MG), Carlos Roesel, reforça esse ponto: “O transporte de veículos, assim como todo o setor, vem sofrendo muito com os aumentos dos preços de equipamentos e insumos, tendo como destaque o óleo diesel. O desafio atual é manter os embarques, apesar dos reajustes diários”, lamenta.

Roesel diz que o principal motivador é o dólar, já que a moeda impacta no preço do aço, matéria-prima para caminhões e carretas, e no do óleo diesel, cotado com base no mercado internacional. “Muitas empresas estão quebrando, e outras estão simplesmente mudando de atividade. O sindicato está atento a esses aumentos e dando uma resposta rápida, pois, de outra forma, ficaria inviabilizada a atividade de transporte de veículos”, conclui o dirigente.

 

 

A guerra e os seus impactos no TRC

 

No mundo contemporâneo, altamente interconectado, é impossível se furtar das consequências de um conflito. A guerra na Ucrânia, deflagrada em fevereiro deste ano pela Rússia, tem impactado a sociedade, a economia e a política. No transporte rodoviário de cargas, o principal motivador para o aumento do custo do serviço é a escassez de chips eletrônicos (semicondutores), que tem acarretado atrasos na montagem de veículos e a valorização das commodities – visto que a região do conflito concentra uma grande oferta de itens intrinsecamente ligados ao setor automotivo, como petróleo, gás natural, aço e alumínio.

O presidente do Sintrauto/MG lembra que o setor já vinha sendo prejudicado por conta da instabilidade causada pela pandemia, e o conflito atual acentuou a pressão no mercado de petróleo. “A guerra está prejudicando o mundo inteiro. O Brasil não é autossuficiente em petróleo. Essa tensão afetou o transporte em todos os seus modais, bem como outros setores econômicos. Soma-se a isso o fato de que, com a globalização, dependemos de muitos países para nos abastecer. Em relação ao transporte, especificamente, produzimos menos de 80% do óleo diesel que consumimos. Além da alta nos preços, corremos o risco de sofrer a falta do combustível”, adverte Roesel.

A logística também está ameaçada. A guerra poderá impactar rotas marítimas, terrestres e até mesmo aéreas, prejudicando fortemente as entregas e o deslocamento da população. De acordo com a Organização Mundial do Transporte (IRU), estima-se que mais de 12 mil caminhoneiros de todos os países europeus estejam presos na Ucrânia desde o início dos ataques russos. A maioria realizava entregas de rotina quando a invasão começou, e alguns motoristas, temendo ficar no meio do conflito, estão abandonando os caminhões na Ucrânia. Muitos dos que permanecem no país enfrentam situações precárias, ameaças à própria segurança e falta de comida, água e instalações sanitárias.

Diante desse cenário, a IRU vem se mobilizando para garantir o acesso dos caminhoneiros a todas as fronteiras e para que os vistos sejam ignorados temporariamente. A entidade também pede que os países da região e a própria Ucrânia ignorem as leis que tratam da jornada de trabalho dos motoristas, garantindo que eles consigam sair o mais rapidamente do país atacado.

 

Rejeição

Algumas empresas têm manifestado repúdio ao conflito por meio da suspensão das atividades na Rússia. A Volvo Trucks e a Mercedes-Benz anunciaram a paralisação da produção de caminhões em território russo e não deram uma previsão de retorno.

Além das fabricantes de caminhões, diversas montadoras de automóveis, empresas do setor de petróleo, gás e de transportes marítimos, como a Maersky, anunciaram a interrupção completa da oferta de produtos e serviços no mercado russo, atendendo às sanções impostas por diversos países.

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