Senado legitima associações de transportadores

Parlamentares aprovam projeto de lei que permite criação de fundo próprio para coibir despesas com acidentes; matéria segue para a Câmara dos Deputados e, depois, para a análise da Presidência da República

Capa / 13 de Abril de 2016 / 0 Comentários
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Compromisso com a missão de garantir os direitos dos transportadores, profissionalismo e resiliência compõem a fórmula de um importante resultado alcançado pelos atores envolvidos na criação do Projeto de Lei 356/2012. De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), a matéria, aprovada por unanimidade em votação final no dia 30 de março, no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), altera o artigo 53 do Código Civil para permitir aos transportadores de pessoas ou cargas organizarem-se em associação de direitos e obrigações recíprocas com o objetivo de criar fundo próprio, desde que seus recursos sejam destinados exclusivamente à prevenção e à reparação de danos ocasionados aos seus veículos por furto, acidente, incêndio, dentre outros motivos.

O parecer favorável à iniciativa, com quatro emendas, foi apresentado pelo senador Douglas Cintra (PTB-PE). A proposta visa dar maior segurança aos transportadores, especialmente aos caminhoneiros, que enfrentam recusa ou preços exorbitantes das seguradoras para cobrir veículos com mais de 15 anos de uso pelo alto risco de assaltos e acidentes nas estradas.

“A grande controvérsia tem sido a tentativa das autoridades federais, particularmente a Superintendência de Seguros Privados (Susep), de enquadrarem como contrato de seguro a proteção patrimonial pretendida pelos associados de inúmeras associações de caminhoneiros mediante sistema de autogestão e compartilhamento de riscos”, disse o senador Cintra durante a audiência de votação do projeto.

No entendimento do relator, não se devem confundir os seguros propriamente ditos com os serviços de proteção de autogestão. Estes exigem mutualidade e estabelecem rateio entre participantes ou estipulam fundo de reserva a partir de contribuições periódicas, sem abrangerem o mercado em geral, mas apenas um grupo de associados. Já a atividade de seguros abarca o mercado em geral, e não pessoas determinadas, conforme diferenciou Cintra.

 

HISTÓRICO

Em 2013, a matéria foi inicialmente distribuída apenas à CCJ, em caráter terminativo. O projeto foi encaminhado ao sena- dor Vital do Rego (PMDB-PB) para que ele fizesse a relatoria. Na época, o parlamentar elaborou um relatório favorável ao projeto, o que deixou toda a equipe da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat) motivada a percorrer, ainda com mais garra, os corredores do Senado para levar aos parlamentares dessa comissão o conhecimento do projeto e as dificuldades enfrentadas pelos caminhoneiros.

A federação visitou os 54 gabinetes dos senadores a fim de garantir quórum na sessão e a aprovação do Projeto de Lei 356/2012. Entretanto, na véspera do dia em que ele seria votado, o senador Álvaro Dias (PV-PR) apresentou o Requerimento 220 de 2015, pedindo que o projeto fosse redistribuído à Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA). Nessa comissão, o projeto foi encaminhado ao senador Eduardo Amorim (PSE-SE), que, imediatamente, compreendeu sua importância para os caminhoneiros, emitindo um voto favorável e, sobretudo, atuando entre os seus pares, juntamente com o senador Paulo Paim, para conscientizar os demais sobre os dilemas dos transportadores. Todo o esforço foi compensado com a votação unânime do projeto nessa comissão.“Foi um balde de água fria o Requerimento 220. Contudo, não desanimamos. Iniciamos novamente a articulação com parlamentares da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e recebemos o apoio de todos os senadores, pois conseguimos aprovar o PLS 356/2012 por unanimidade nessa comissão, com uma participação muito importante de Paulo Paim e Eduardo Amorim, que fizeram um apelo aos parlamentares, chamando-os à responsabilidade com os caminhoneiros”, relembra a assessora jurídica da Fenacat, Virginia Laira.

Depois, o projeto retornou à CCJ, tendo como relator o senador Douglas Cintra, cujo voto foi lido na sessão do dia 16 de março deste ano, encerrando a audiência com um pedido de vistas coletivas, evitando, assim, que o projeto fosse novamente votado.

E, novamente para a surpresa da federação, o senador Álvaro Dias, no dia 22 de março, entrou com uma emenda solicitando que os fundos próprios criados pelo PLS 356/2012 fossem disciplinados pelo Conselho

Nacional de Seguros Privados (CNSP) e fiscalizados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).

 

ARTICULAÇÃO

No âmbito da Câmara dos Deputados, o deputado federal Diego Andrade (PSD-MG) criou o Projeto de Lei 4.844/2012, que também tem como proposta alterar o artigo 53 do Código Civil Brasileiro para permitir aos transportadores de pessoas ou cargas organizarem-se em associações de direitos e obrigações recíprocas para criar fundo próprio exclusivamente destinado à prevenção e à reparação de danos ocasionados aos seus veículos por furto, acidente, incêndio, dentre outros motivos.

A Fenacat lançou como estratégia a articulação dos dois projetos, para que ambos caminhassem nas duas Casas, de modo que aquele que chegasse primeiro à outra encurtaria o caminho a ser percorrido por eles. O projeto da Câmara dos Deputados já tramitou na Comissão de Viação e Transportes e teve voto favorável. Atualmente, encontra-sena Comissão de Finanças e Tributação (CFT), aguardando distribuição dos membros que a integram, que irão verificar se o projeto continua ou não com o deputado Benito Gama (PTB-BA) para relatá-lo.

RESILIÊNCIA

Embora a estratégia tenha sido muito bem-elaborada pelos parlamentares, exigiu uma força extraordinária da federação e de sua comissão de trabalho, que envolve diretamente seu presidente, Luiz Carlos Neves, e os diretores Rogério Batista do Carmo, Geraldo Eugênio de Assis e José Lucimá de Souza, além da assessora jurídica, Virginia Laira, que, há mais de três anos, lutam arduamente contra os interesses de grupos financeiros e securitários.

Uma amostra dessa adversidade foi constatada quando os “opositores” das associações de caminhoneiros, num ato de total desequilíbrio e desespero, por meio do deputado federal Lucas Vergílio (SD/GO), propuseram o Projeto de Lei 3.139/2015, que pede a proibição do funcionamento das associações de proteção.

Em seguida, o presidente da Fenacat, Luiz Carlos Neves, acompanhado da comissão de trabalho, reuniu-se com o deputado federal Zé Silva (SD/MG), que intermediou um encontro com o parlamentar Lucas Vergílio para esclarecer que as associações de proteção e autogestão surgiram com o objetivo de garantir condições sustentáveis de atuação dos transportadores.“O Projeto de Lei 4.844, de 2012, é uma maneira indispensável e urgente de garantir a proteção do patrimônio de todos os caminhoneiros do Brasil. Essas organizações oferecem vantagens para milhares de trabalhadores que cortam as estradas do país, levando desenvolvimento econômico e social. Entre os benefícios oferecidos pelo projeto estão o rastreamento e o monitoramento, e descontos em acessórios, equipamentos e combustível. Já que as empresas se recusam a segurar veículos com mais de 15 anos de uso e, quando o fazem, cobram valores impossíveis de ser pagos pelos motoristas autônomos, os profissionais correm diariamente o risco de perder sua ferramenta de trabalho”, pontua o deputado federal Zé Silva.

O deputado federal Benito Gama também teve a sensibilidade de compreender a importância da aprovação do projeto. Ele recebeu representantes da Fenacat e ofereceu seu apoio em torno da aprovação da matéria. Segundo o parlamentar, a proposta é uma saída para o drama dos transportadores,

que enfrentam limitações impostas pelo sistema de seguros e pelas normas a eles aplicáveis, seja no âmbito legal, seja no regulamentar. “Existe um arcabouço que parece se mostrar concentrador e voltado mais ao atendimento dos interesses do segmento segurador do que ao dos consumidores e usuários desse sistema. Não podemos deixar as coisas como estão. Vamos lutar em prol dos caminhoneiros do Brasil”, diz.

Agora, a matéria é abordada na Câmara dos Deputados pela CFT e, depois, será encaminhada à Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça. Se for aprovada nas duas comissões, deverá tramitar no Senado. Após isso, seguirá para sanção da Presidência da República.“Neste ano, alcançaremos o nosso objetivo. Devido à nossa articulação na Câmara dos Deputados, temos a expectativa de que o projeto seja priorizado na votação. A vitória virá como resultado de muito trabalho, persistência e confiança de que atuamos na defesa de uma proposta relevante para os transportadores”, espera o diretor da Fenacat José

Lucimá de Souza.

O diretor da federação e da Entrevias, Geraldo Assis, corrobora o depoimento do companheiro de luta: “Sempre acreditei que, um dia, iríamos mostrar que estávamos corretos. Um setor tão sofrido como o do transporte precisa muito do sistema de ajuda mútua. Irmãos da estrada que se unem no modelo associativista devem ser vistos com bons olhos pelo poder público”.

Para o presidente do Sintrauto, Carlos Roesel, “a Fenacat desenvolveu um excelente trabalho e fez valer a máxima 'a união faz a força'".

 

MÉRITO DA INICIATIVA

O deputado federal Zé Silva, acreditando no Projeto de Lei 4.844/2012, articulou uma audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação, em 29 de setembro do ano passado, com vistas a reunir representantes do setor de transporte e profissionais que atuam em operações de seguro para encontrarem uma alternativa sem prejudicar qualquer das partes envolvidas. Como resultado prático da audiência, obteve a formação de um Grupo de Trabalho composto pelos players diretamente envolvidos

e interessados em pôr fim a tantos desencontros e desajustes.

Para dar legitimidade ao grupo e criar um caráter oficial para suas conclusões, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) publicou a Portaria n.º 6.369/2015. Assim, o Grupo de Trabalho ficou oficialmente formado pelos seguintes membros: o coordenador geral de Fiscalização Direta da Susep, Christiano Henrique de Lucena Machado; a coordenadora de Seguro de Bens e de Transportes, e de Produtos, Rosana Dias da Silva; o secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Igor Barenboim; o representante da Confederação Nacional de Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), Neival Rodrigues Freitas; o representante da Federação Nacional de Corretores de Seguros Privados e de Resseguros, de Capitalização, de Previdência Privada, das Empresas Corretoras de Seguros e de Resseguros (Fenacor), Celso Vicente Marini; a representante da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), Virginia de Cássia Barbosa Laira; o representante do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Automóveis e Congêneres e Microempresas Transpor- tadoras de Automóveis e Congêneres do Estado de Minas Gerais (Sintrauto), Rogério Batista do Carmo, e o representante da Organização de Cooperativas Brasileiras, Bruno Batista Lobo Guimarães.

O Grupo de Trabalho concluiu que o auxílio mútuo é uma operação distinta da atividade de seguro, “haja vista a inexistência de transferência de risco para um segurador e de prêmio que represente o preço da assunção do risco”, informa o documento que apresenta a análise do grupo. Nesse sentido, a proposição é que, devido à proximidade com a operação de seguro, a Susep contribua com a realização de estudos sobre a atividade, a fim de se avançar no estabelecimento de seu marco legal com a criação de um sistema nacional de auxílio mútuo e a definição de um órgão regulador e fiscalizador dessa operação. “Ainda no âmbito conclusivo do trabalho realizado, a Fenacat e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) ficariam responsáveis por criar mecanismos de autorregulação tanto das associações quanto das cooperativas, com com o intuito de evitar que falsas instituições atuem sem qualquer punição ou fiscalização, garantindo, assim, a todos os caminhoneiros e transportadores uma segurança maior quando ingressarem numa associação ou cooperativa. É importante frisar que o funcionamento das associações é muito diferente do de uma empresa seguradora, primeiramente porque os produtos são distintos e, em segundo lugar, porque a administração e a gestão das associações

se fazem de forma conjunta, visando ao interesse dos associados, que não é o lucro, fim perseguido pelas empresas de seguro. Assim, acreditamos que a Fenacat e a OCB terão o papel regulador, instituído por norma legal, devido à sua expertise”, ressalta a assessora jurídica da federação, Virginia Laira.

Em consenso, o Grupo de Trabalho avaliou que não é oportuno tratar, no âmbito do Projeto de Lei 356/2012, de assuntos relacionados ao funcionamento de fundo, devendo ser criada, no momento adequado, uma iniciativa que o regule e o fiscalize, conforme pretendido pelo senador Álvaro Dias.

O material elaborado pelo grupo foi entregue ao deputado federal Benito Gama, que fez seu relatório baseado nesse documento.


NOVA FILOSOFIA: AUXÍLIO MÚTUO

O tópico principal, extremamente debatido nas reuniões do Grupo de Trabalho, foi o enquadramento ou não da atividade de auxílio mútuo como seguro. De acordo com o artigo 757 do Código Civil, “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento de prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados”.

Segundo conclusão do fórum, esses elementos não estão presentes na operação de auxílio mútuo, cujo grupo restrito não estaria atuando como seguradora, uma vez que não estaria assumindo para si os riscos de associado ou cooperado. Nesse caso, seria, ao mesmo tempo, beneficiário e fornecedor da garantia aos membros do grupo.

Além disso, o rateio dos prejuízos não exige a realização de estudo atuarial exaustivo, como ocorre em um prêmio de seguro. A contribuição para o fundo próprio não se enquadraria como benefício, pois não seria um preço correspondente à transferência de risco. “Ressalto que foi muito enriquecedor fazer parte do fórum. Tive conhecimento de processos cuja complexidade jamais imaginei. Apesar da diversidade de opiniões, todos trabalharam com a finalidade de buscar uma solução benéfica para o sistema. Agradeço a confiança depositada e o aprendizado”, comemora Rogério Batista do Carmo.

 

AVANÇO NA INTERPRETAÇÃO

Em análise anterior efetuada pela Susep, alertava-se para os riscos do surgimento de um mercado de proteção extremamente frágil. Chegou-se a discutir a possibilidade de que tal assunto fosse disciplinado

no âmbito da atividade de transportes de pessoas e de cargas, sendo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) o órgão regulador e fiscalizador. Porém, a atividade de auxílio mútuo não se limita à garantia de riscos relacionados a transportes nem se confunde com isso. Oferecer tratamento limitado a esse tema seria, de acordo com o Grupo de Trabalho, ocultar a realidade da distinção entre as operações de seguro e de auxilio mútuo.

Nesse sentido, a proposta é a criação de legislação específica disciplinando a atividade como mais um novo sistema a ser incluído na competência regulatória do Conselho Nacional de Seguros Privados e na atribuição fi scalizadora da Susep, que teria autorreguladoras autorizadas pelo governo federal para atuarem na condição de órgãos auxiliares, exercendo essa atividade a Fenacat e a OCB, a exemplo do que ocorre com o Fundo Garantidor de Crédito.“O avanço na intepretação da criação de um novo marco regulatório e a aceitação do projeto pelos parlamentares devem ser comemorados. São anos de trabalho, de muito diálogo e de força de vontade de legitimar uma atividade que é vital para o setor de transportes. O segmento enfrenta adversidades sufi cientes para seus profi ssionais serem impedidos de atuar por meio da parceria e do profi ssionalismo. Para a Fenacat, associativismo é sinônimo de maturidade na gestão”, orgulha-se o presidente da federação, Luiz Carlos Neves.

 

CONHEÇA AS EMENDAS

 

Dê-se à ementa do Projeto de Lei do Senado nº 356 de 2012 a seguinte

redação: “Altera o Código Civil para permitir às associações e cooperativas de transportadores de pessoas ou cargas criarem fundo próprio para prevenção e reparação de danos aos seus veículos em razão de infortúnios”.

 

O Artigo 53 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com a seguinte

redação, renumerando-se o atual parágrafo único para

“§ 2º As associações de transportadores de pessoas ou cargas poderão criar fundo próprio custeado pelos associados interessados e destinado exclusivamente à prevenção e à reparação de danos ocasionados aos seus veículos por infortúnios como furto, acidente e incêndio. “§ 3º O disposto no § 2º aplica-se aos proprietários de veículos autorizados ao transporte coletivo de passageiros e aos caminhões autorizados à exploração do transporte rodoviário de cargas”.

 

O art. 731 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com a seguinte redação:

“As cooperativas de transportadores de pessoas ou cargas poderão criar fundo próprio custeado pelos cooperados interessados e destinado exclusivamente à prevenção e à reparação de danos ocasionados aos seus veículos por infortúnios como furto, acidente e incêndio”.

 

Inclusão do art. 3º, renumerando-se os demais:

“Ficam cancelados os autos de infração lavrados pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e anistiadas as multas deles decorrentes aplicadas às associações de caminhoneiros e às cooperativas de transportadores de pessoas ou cargas até a data de publicação desta lei”.

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