A difícil arte de refinanciar

Finanças / 03 de Setembro de 2015 / 0 Comentários
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Bancos comerciais não praticam orientação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que autorizou o refinanciamento de caminhões

São praticamente dois meses sem uma solução quanto à realização de refinanciamento de caminhões pelos bancos comerciais. Em 3 de julho, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) publicou a Circular 26/2015, que autoriza essas instituições financeiras a refinanciarem os caminhões vendidos por meio do Programa BNDES de Financiamento a Caminhoneiros (BNDES Procaminhoneiro) e do Subprograma Bens de Capital do Programa BNDES de Sustentação do Investimento (BNDES PSI).

​Na prática, contudo, os transportadores não acessam a nova medida. “Atendemos, diariamente, a vários caminhoneiros e, até mesmo, a representantes de sindicatos de diversas regiões do país que não conseguem o refinanciamento de seus caminhões perante os bancos, sob a alegação de que não estão obrigados a aderirem à Lei 13.126/2015 e à circular do BNDES”, conta o advogado Gilson Hugo Rodrigo Silva, mestre em direito das relações privadas.

Ele defende que essas normas asseguram o direito ao refinanciamento, e, segundo ele, pensar diferente seria o mesmo que negar vigência à própria regra e ao fim a que ela se destina: evitar os graves efeitos nocivos resultantes da inadimplência para caminhoneiros e transportadoras, como busca e apreensão, protestos, cobranças judiciais, falência etc.​

FÔLEGO
Na edição de junho, a Entrevias apresentou que o Banco Central baixou a Resolução 4.409, que autoriza a refinanciar caminhões, chassis, caminhões-tratores, carretas, cavalos mecânicos, reboques, semirreboques, incluídos os tipo dolly, tanques e afins, carrocerias para caminhões novos e usados. Estão inclusos também os sistemas de rastreamento novos, seguro do bem e seguro prestamista.

Na época, Norival de Almeida Silva, presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam-SP) e da Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Carga em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens), avaliou que a medida foi implementada para atender aos autônomos e pequenos empresários, realmente para ajustar as contas e dar uma opção de sobrevivência.

A resolução permite refinanciar, com juros subsidiados, as primeiras 12 parcelas que vencem a partir do pedido de refinanciamento. O benefício vale, até 31 de dezembro deste ano, para os negócios realizados até 31 de dezembro do ano passado. As condições são válidas para empresários individuais, empresas individuais de responsabilidade limitada e sociedades, associações e fundações cuja receita operacional bruta ou renda anual seja de até R$ 2,4 milhões.

Aqueles que têm menos de 12 parcelas a pagar também podem renegociar, transferindo-as para daqui a um ano. Os juros das parcelas refinanciadas serão os mesmos do contrato original ou de 6% ao ano. A opção será pela maior taxa, segundo a circular.

INTENCIONALIDADE
Para o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Cargas de Francisco Beltrão (Sindicat/Sudoeste do Paraná), Janir Bottega, o BNDES, ao somente autorizar o refinanciamento, oferece liberdade para as instituições financeiras que preferem linhas de crédito mais rentáveis. “Para os bancos comerciais, é mais vantajoso aumentar o cheque especial, por exemplo. Os transportadores, que precisam do caminhão para sobreviverem, fazem de tudo para honrarem os compromissos, mas os juros altos tornam-se uma bola de neve”, analisa Bottega, que é integrante do Fórum Permanente do Transporte Rodoviário de Carga.

No dia 13 de agosto, ele participou da audiência pública, na Câmara dos Deputados, da Comissão Externa, destinada a acompanhar a Paralisação Nacional dos Caminhoneiros (Cexcamin). O objetivo desse encontro – que reuniu representantes da categoria dos transportadores, do BNDES, da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), do Ministério dos Transportes e parlamentares – foi discutir uma solução com os atores envolvidos no refinanciamento.

Durante a audiência, o diretor adjunto de negócios da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ademiro Vian, afirmou que os bancos vão aderir à medida daqui a dois meses. Ele disse que 90 dias, contados a partir de 3 de julho, seriam um prazo razoável para a implementação do refinanciamento. O problema é que o benefício apenas poderá ser concedido até 31 de dezembro. “O risco é de 100% do concedente do crédito, e não do BNDES. No vencimento da parcela, o BNDES debita o valor na conta do banco, tendo esse recebido do caminhoneiro ou não”, justificou o representante da Febraban.

BRECHA
O advogado especialista em direito bancário e do consumidor Jair Demétrio explica que a autorização pelo BNDES, por ser um procedimento administrativo, pode ainda ser aceita ou não pelo banco, deixando os transportadores vulneráveis à sua situação de inadimplência.

Nesse sentido, em sua opinião, o caminho mais adequado para os transportadores é, primariamente, notificar o banco que administra o contrato para se manifestar quanto ao refinanciamento. “Obtendo resposta quanto a essa notificação, buscamos a solução jurídica adequada para conseguirmos uma liminar, tendo em vista a urgência da demanda. Cremos na possibilidade de ganho. Há vários casos parecidos, com jurisprudência em sentido positivo, que envolvem contratos subsidiados pelo governo.”

O advogado Gilson Silva também acredita no resultado positivo: “Existem chances reais de se obter ganho de causa, pois verificamos decisões judiciais em casos análogos a justifica r a possibilidade de se conseguir que os bancos façam o refinanciamento de acordo com a lei”.

Diante desse cenário, para o processo judicial, aconselha-se constituir um advogado mediante procuração, fornecendo-lhe cópia do Registro Geral (RG), do Cadastro de Pessoa Física (CPF), do comprovante de endereço e do contrato de financiamento com o banco contratado. No caso de empresas, também são necessários o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e o contrato
social. Além desses, é importante uma declaração de faturamento do ano em que foi firmado o contrato de financiamento.

PORTABILIDADE
Uma das possibilidades ventiladas foi a portabilidade do financiamento de instituições financeiras privadas para bancos públicos. Durante a audiência do dia 13 de agosto, a superintendente da área de operações indiretas do BNDES, Juliana Santos da Cruz, contou que existem 291 refinanciamentos
aprovados. Eles foram encaminhados pelo Banco do Brasil, pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e pelo Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob). Nenhum dos maiores bancos privados encaminhou propostas até a data da reunião.

Ela ressaltou que os juros das 12 parcelas refinanciadas podem não ser os mesmos do contrato original. Aqueles que pagam menos de 6% ao ano pagarão 6% nas parcelas postergadas. Os que pagam mais do que isso continuam com os mesmos juros. “Nossa maior preocupação é o endividamento dos transportadores de cargas com essa crise e com a negativa para o refinanciamento. Quem está com a parcela atrasada e não consegue negociar a dívida pode sofrer danos irreparáveis.
Para agravar a situação, em novembro de 2014, foi aprovada a Lei 13.043, que facilita aos bancos a busca e a apreensão de caminhões, permitindo, do fim do ano passado para cá, a retomada de caminhões pelos bancos com uma velocidade absurda. Uma simples parcela em atraso propicia
ao banco montar uma notificação simples, feita pelo próprio advogado da instituição financeira, e encaminhá-la ao endereço do cliente, podendo ela ser recebida por qualquer pessoa”, alerta o especialista.

Ele completa que, ao protocolar a ação de busca e apreensão e, obtendo o deferimento do juiz, ele insere restrição do veículo no Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam), autorizando a Polícia Rodoviária Federal parar e retirar o caminhão de circulação. “Após apreendido, se, em cinco
dias, o proprietário não quitar o contrato pagando toda a dívida, inclusive as parcelas que não venceram ainda, não irá conseguir mais reaver o bem. Nem leilão se fará mais necessário. O banco que apreendeu o veículo pode vender da forma que achar mais conveniente. Sendo assim, é determinante que os transportadores de cargas busquem a orientação profissional de um advogado
para identificar a melhor solução na proteção ao endividamento bancário”, conclui.

 

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