Curandeirismo nas estradas

Estabelecimentos localizados em rodovias comercializam livremente produtos classificados como medicinais, sob a chancela de naturais e sem contraindicação. Cuidado! Esses medicamentos oferecem perigo.

Capa / 13 de Abril de 2016 / 0 Comentários

Produtos e medicamentos classificados como naturais, encontrados em estabelecimentos comerciais localizados em estradas brasileiras, podem causar sérios efeitos colaterais, além de terem sua efetividade questionada

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Gripes e resfriados podem ser tra­tados com a inalação de eucalipto ou por medicamento que conta com esse elemento da natureza. Mas você sabia que não deve ser utilizado por pesso­as com inflamação gastrointestinal e biliar, doença hepática grave, gravidez, lactação e menores de 12 anos? Quem se encaixa em uma das situações citadas acima e faz a inalação pode ter náusea, vômito e diar­reia. Além disso, deve-se evitar o uso do eu­calipto associado a sedativos, anestésicos e analgésicos, pois ele pode potencializar suas ações. O famoso chá de cavalinha, usado em inchaços e retenções, pode causar uma aler­gia em pessoas sensíveis à nicotina. O uso permanente também pode provocar dor de cabeça e anorexia; altas doses causam irrita­ção gástrica, reduzem níveis da vitamina B1 e promovem irritação no sistema urinário.

Exemplos de reações causadas pelo uso de elementos da natureza utilizados para fins medicinais são mais comuns do que muitos imaginam. A máxima “O que é natural não faz mal” é perigosa e merece atenção dos profissionais que atuam nas estradas brasileiras. Afinal, muitos esta­belecimentos comerciais e pessoas – que costumam atender em suas casas ou em tendas – oferecem nas rodovias produtos naturais – em forma de chás, xaropes, cáp­sulas ou a erva in natura.

 

 

A Agência Nacional de Vigilância Sa­nitária (Anvisa) entende os benefícios de produtos fitoterápicos, visto que o uso de plantas como remédio é tradição em vários Estados brasileiros. Atualmente, o órgão re­conhece cerca de 400 fitoterápicos, trans­formados pelas indústrias em cápsulas ou xaropes. A agência criou também uma nova categoria: a dos fitoterápicos tradicionais. São produtos feitos com arnica e maracujá, por exemplo. Eles foram reconhecidos sem a necessidade da realização de pesquisas porque os efeitos medicinais já são consa­grados pela população.

 

CONTRAINDICAÇÃO

O clínico geral Jorge Rodrigues, que atende no Hospital Municipal Odilon Behrens, ressalta que os cuidados que as pessoas devem ter são os mesmos desti­nados aos outros medicamentos. “As prin­cipais orientações são buscar informações com os profissionais de saúde; informar ao médico qualquer reação desagradável durante o uso das plantas medicinais ou dos fitoterápicos e, em caso de cirurgia, co­municar a utilização dos mesmos; observar cuidados especiais com gestantes, lactan­tes, crianças e idosos; adquirir fitoterápicos apenas em farmácias e drogarias autoriza­das pela Vigilância Sanitária”.

Ele ressalta a importância de as pesso­as seguirem as orientações da bula e da ro­tulagem, de observarem a data de validade, de atentarem para o armazenamento e de terem cuidado ao associarem a substância a outros medicamentos, o que pode pro­mover a diminuição dos efeitos ou provo­car reações indesejadas. “Desconfiem de produtos que prometem curas milagrosas. Especialmente aos profissionais das estra­das, recomendo ainda mais atenção no uso da fitoterapia. Os motoristas desenvolvem atividade que requer muita atenção e des­treza. Nesse sentido, procurem um médico especializado caso queiram iniciar essa for­ma de tratamento”, alerta.

Como ocorre com qualquer medica­mento, o mau uso de fitoterápicos pode ocasionar problemas à saúde, a exemplo de alterações na pressão arterial, no siste­ma nervoso central, no fígado e nos rins, o que pode levar a internações hospitalares e, dependendo da forma de uso, até mes­mo, à morte.

DIFERENÇAS

No conceito da Anvisa, fitoterápicos são medicamentos obtidos empregando-se como princípio ativo exclusivamente deri­vados de drogas vegetais. “São caracteri­zados pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, como também pela cons­tância de sua qualidade. São regulamen­tados como medicamentos convencionais e devem apresentar critérios similares de qualidade, segurança e eficácia, os quais são requeridos pela agência para todos os medicamentos”, informa a Anvisa.

Essa instituição classifica a fitoterapia em duas categorias: os medicamentos fito­terápicos, que devem seguir as mesmas re­gras das drogas sintéticas, com a exigência da realização de testes clínicos de seguran­ça e eficácia; e os produtos clássicos fito­terápicos, que precisam apenas comprovar seu caráter tradicional e sua segurança com base na literatura médica. Nesse sen­tido, o medicamento fitoterápico tem indi­cação terapêutica e bula dizendo para que serve, sendo vendido somente com receita ou como medicamento fitoterápico isento de prescrição médica; já o produto fitote­rápico não pode ter indicação terapêutica e apresenta plantas medicinais na fórmula.

As plantas medicinais são aquelas capazes de aliviar ou curar enfermidades e têm tradição de uso como remédio em determinada população ou comunidade. Contudo, pontua a Anvisa: “para usá-la, é preciso conhecer a planta e saber onde co­lhê-la e como prepará-la. Quando a planta medicinal é industrializada para se obter um medicamento, tem-se como resultado o fitoterápico. O processo de industrialização evita contaminações por micro-organis­mos, agrotóxicos e substâncias estranhas, além de padronizar a quantidade e a forma em que devem ser usadas, permitindo uma maior segurança de uso”.

 

CRITÉRIOS PARA COMERCIALIZAÇÃO

Os medicamentos fitoterápicos indus­trializados devem ser registrados na Avisa/Ministério da Saúde antes de serem comer­cializados. Há cinco resoluções específicas para o registro de fitoterápicos no Brasil: a RDC 48, em que são estabelecidos todos os requisitos necessários para a sua con­cessão, os quais se baseiam na garantia de qualidade. As avaliações abrangem a ma­téria-prima vegetal, os derivados de droga vegetal e o produto final, o medicamento fitoterápico.

Essa legislação é acompanhada por outras resoluções: 88, 89, 90 e 91, e o objetivo principal é minimizar a exposição a produtos passíveis de contaminação e garantir a quantidade e a forma certa em que deve ser usada, permitindo uma maior segurança de uso.

A Anvisa avalia todos os aspectos re­ferentes ao produto em termos de quali­dade, segurança e eficácia. O registro tem validade de cinco anos, devendo ser reno­vado por períodos sucessivos, conforme de­terminado na Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre os produtos submetidos ao controle da Vigilância Sanitária. Para a obtenção do registro e sua renovação, a empresa deve peticionar junto à agência um dossiê téc­nico-administrativo com informações sobre o produto, de acordo com os regulamentos específicos. Durante a análise de um pro­cesso de registro, verificam-se os principais aspectos referentes ao processo produtivo: controle de qualidade, ensaios de segu­rança e eficácia, dados legais da empresa, rotulagem e bula.

 

FISCALIZAÇÃO

A agência também tem o papel de acompanhar a comercialização dos medi­camentos, podendo retirá-los do mercado caso seu consumo apresente risco para a população. No entanto, a dimensão terri­torial do país e a escassez de profissionais comprometem a efetividade da fiscaliza­ção. A instituição reconhece que monitorar os produtos encontra desafios estruturais. No caso das estradas, a adversidade é ain­da maior, considerando-se a quantidade de comércios formais e informais.

Os profissionais das estradas e todos os cidadãos podem verificar se os produ­tos comercializados são legitimados pela Anvisa pelo endereço http://www7.anvisa.gov.br/datavisa/con­sulta_produto/Medi­camentos/frmConsul­taMedicamentos.asp

Ao encontrar um produto sendo vendido como fitote­rápico sem registro, denuncie. Envie mensagem para o e-mail gmefh@anvisa.gov.br.

Também é possível identificar, pelas embalagens e pelos rótulos, se o medica­mento é registrado. Eles precisam apresen­tar o seu número de registro na embala­gem, e esse número deve estar em uma das seguintes formas: “Reg. MS: 1.XXXX.XXXX-XXXX ou Reg. MS: 1.XXXX.XXXX”, sempre começando com o algarismo 1. A empresa pode escolher incluir 9 ou 13 dígi­tos do número de registro na embalagem, mas o formato em que virá será sempre esse iniciado pelo número 1, pois esse é o algarismo que identifica os medicamentos na Anvisa.

Se, na embalagem de algum produto, for observado um número de registro que comece com os algarismos 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8, o produto pode ter registro na An­visa, mas em outras classes (por exemplo, cosméticos ou alimentos), não como me­dicamento.

Medicamentos notificados não terão em sua embalagem número de registro, mas, sim, uma frase que indica que ele foi notificado. Se for um fitoterápico, a frase será: "Produto notificado na Anvisa nos termos da RDC nº 26/2014".

A proibição legal de industrializar, vender ou consumir substâncias de inte­resse à saúde sem prévio registro nos ór­gãos de controle sanitário é prevista por lei. De acordo com o Código Penal e a Lei 9.677/98, a adulteração e a falsificação de produtos com fins terapêuticos ou medici­nais, bem como a importação, a venda e a armazenagem são considerados crimes hediondos contra a saúde pública. Con­forme as normas em vigor (leis 5.991/73, 6.437/77 e 9.294/96, além das resoluções 102/00 e 833/97 da Anvisa, que tratam do comércio e da propaganda de medica­mentos e de produtos para a saúde), os fabricantes e os distribuidores em situação irregular terão as atividades paralisadas e não poderão fabricar nem comercializar qualquer produto. Os comerciantes ainda poderão ser penalizados com multa que varia entre R$ 2.000 e R$ 1,5 milhão, defi­nida segundo a avaliação da gravidade do fato e possíveis antecedentes ou irregula­ridades sanitárias.

Sob a chancela de “Cura Tudo”, um medicamento encontrado em estradas brasileiras se autodeclara como “suple­mento alimentar”. Em seu verso, há in­dicação para melhoria de gastrite, pedras nos rins etc. Além disso, o produto oferece a opção para emagrecimento, orientando como é o seu uso voltado para esse obje­tivo. A embalagem não apresenta registro da Anvisa, somente o nome da farmacêu­tica responsável.

 

MERCADO

A fitoterapia é reconhecida como mé­todo terapêutico pelo Conselho Federal de Medicina desde 1992. E, das 250 mil plan­tas catalogadas em todo o mundo, 55 mil estão em território brasileiro, o que com­prova a grande biodiversidade nacional.

Embora não se saiba ao certo o tama­nho do mercado de fitoterápicos no Brasil – calcula-se que movimente cerca de 10% do setor de fármacos –, é consenso que seu consumo vem aumentando no país e no mundo. De acordo com a Associação Bra­sileira de Fitoterapia (Abrafit), em 2011, o segmento mundial de medicamentos deri­vados de plantas foi estimado em cerca de US$ 26 bilhões, valor que representa ape­nas 3% do setor global de medicamentos.

A OMS fez um levantamento mundial entre seus Estados-membros, publicado em 2005, questionando-os sobre suas políticas relacionadas às medicinas tradicionais e ao uso de plantas medicinais e de fitote­rápicos. Do total de 191 Estados-membros, 141 responderam aos questionamentos: 32% dos respondentes afirmaram possuir políticas regulamentando a medicina tra­dicional ou complementar, e, com relação ao uso de plantas medicinais, a maioria (92 países – 65%) informou ter regulamentos sobre o tema.

No Brasil, em 2006, duas políticas foram estabelecidas nesse sentido. A primeira foi a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saú­de (SUS), aprovada pela Portaria Ministerial MS/GM 971/2006. A segunda foi a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterá­picos, também publicada nesse ano. Ambas apresentam em suas diretrizes o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento com relação ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos que possam ser disponibilizados com qua­lidade, segurança e eficácia à população, priorizando-se a biodiversidade do país.

Entretanto, segundo o artigo “Aspectos da legislação no controle dos medicamen­tos fitoterápicos”, ainda há várias dificul­dades para o controle de qualidade e a comprovação de segurança e de eficácia dos medicamentos fitoterápicos, devido à complexidade química dos derivados de drogas vegetais. “Faltam investimentos em pesquisa com plantas nativas por parte das indústrias, que preferem o registro de produtos baseados em plantas exóticas por haver vasta literatura científica publicada. O processo de caracterização química e farmacológica dos derivados de drogas ve­getais exige tempo e recursos apreciáveis, além de investimento em equipes multidis­ciplinares”.

A Abrafit corrobora e pontua que o número de registro de fitoterápicos vem sofrendo queda nos últimos anos. Para a associação, há um excesso de exigências para os fitoterápicos e os métodos de avaliação desses produtos não podem ser iguais aos aplicados aos medicamentos convencionais.

 

EXPERIÊNCIA

A contadora Patrícia de Cássia Rocha Guimarães, 33 anos, sempre foi adepta de dieta e já usou diversos produtos na­turais com o objetivo de emagrecimento. “Até hoje não vi milagre para emagrecer. A perda de gordura vem por meio da ree­ducação alimentar e da prática de exercício físico. Ainda assim tomo chás – feitos de gengibre e canela, por exemplo –, pois sin­to bem-estar e observo que eles aceleram o metabolismo”, diz.

Esses elementos possuem componen­tes que ajudam na quebra da gordura, pois são termogênicos, ou seja, colaboram com o processo. A Associação Médica de Minas Gerais alerta para efeitos adversos e reco­menda que o consumo adequado deve ser orientado por um profissional da área de saúde.

 

DICAS

Para proteger sua saúde, confira as dicas da Anvisa sobre como evitar a compra de medicamentos irregulares:

  • Somente adquira medicamentos registrados em farmácias autorizadas. É obrigatório que a Licença Sanitária esteja exposta ao público. Nunca compre medicamentos em feiras, camelôs, academias etc.;
  • Na internet, obtenha medicamentos somente em sites de farmácias e drogarias abertas ao público, com farmacêutico responsável
  • Dê preferência aos sites de farmácias localizadas próximas de sua casa. Em caso de dúvidas ou problemas, você terá a quem recorrer;
  • Exija sempre a nota fiscal dos produtos;

     

  • Não compre medicamentos com embalagens amassadas, rótulos que se soltam facilmente ou que estejam apagados ou borrados;
  • Os rótulos devem estar em língua portuguesa. Desconfie de medicamentos que apresentem erros ortográficos no rótulo;
  • Verifique a data de validade e de fabricação, o número do lote e o do registro do medicamento no Ministério da Saúde/Anvisa, além dos dados da empresa fabricante, incluindo nome, CNPJ e endereço;
  • Verifique se a embalagem do medicamento possui a tinta reativa (raspadinha) e o lacre ou o selo de segurança. Não compre medicamentos com lacre rompido;
  • Cuidado com os medicamentos ditos “naturais”, com indicações milagrosas ou sugeridos para o tratamento de muitas doenças;
  • Somente os medicamentos têm indicações terapêuticas. Nenhum alimento ou suplemento alimentar possui tais propriedades;
  • Desconfie de promoções e liquidações.

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