Estradas mineiras machucadas

Deficiência na manutenção e infraestrutura antiga e precária formam ciclo vicioso da falta de prioridade governamental na conservação de rodovias de Minas Gerais

Capa / 09 de Janeiro de 2019 / 0 Comentários
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Minas são muitas: diversidade na gastronomia, na cultura, na linguagem... e muitas estradas. O Estado tem a mais extensa malha viária do Brasil – são 269.546 km de rodovias, e, desse total, 7.689 km são federais, 23.663 km estaduais e 238.191 km municipais. O tamanho da malha está diretamente proporcional à sua conservação: 21% das estradas federais são classificadas como ruins ou péssimas. Esse dado faz parte da segunda edição do Índice de Condição da Manutenção (ICM), divulgado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O estudo indica que 59,7% das rodovias mineiras sob responsabilidade do Dnit, que representa 4.000 km, estão em bom estado de conservação.
Outros 19,6%, aproximadamente 1.300 km, estão regulares; 5% (338 km) ruins; e 15,7% (1.000 km), em situação considerada péssima. 

Com necessidade de obras, estradas têm meia pista

Em relação ao levantamento anterior, realizado no ano passado, houve piora no estado de conservação das estradas. Na primeira edição do ICM, 72% das rodovias mineiras foram consideradas boas; 18%, regulares; 6%, ruins; e 3%, péssimas. Os dados refletem a situação no país. Neste ano, a pesquisa mostrou que 59% estão em bom estado de conservação, 18% das estradas estão em estado regular; 10%, ruim; e 13%, péssimo. No primeiro levantamento, 67,5% das rodovias estavam em bom estado; 21%, foram consideradas regulares; 7%, ruins; e 5%, péssimas. 

Na divulgação do estudo, o Dnit afirma que a queda coincide com a diminuição dos recursos destinados à infraestrutura rodoviária. “Nos últimos quatro anos, a média do orçamento do Ministério dos Transportes para o setor rodoviário caiu 28%, passando de R$ 9,66 bilhões, entre 2011 e 2014, para R$ 6,97 bilhões, de 2015 a 2018”, disse. Nesse sentido, segundo o departamento, a redução provocou uma variação negativa de 22% nos recursos para manutenção e conservação das rodovias no comparativo entre esses dois períodos citados. 

“O estado de conservação das rodovias revela que os governos não priorizam investimentos em infraestrutura. Observo esforço do Dnit de Minas Gerais, mas as demandas são muito grandes, impossibilitando o órgão de atuar em todas as prioridades”, avalia José Aparecido Ribeiro, consultor em assuntos urbanos, trânsito e transporte; membro da Comissão Técnica de Transporte da Sociedade Mineira dos Engenheiros de Minas Gerais e presidente da ONG SOS Rodovias Federais de Minas.

Retrato do descaso

O especialista ressalta que Minas Gerais vive um ciclo vicioso, pois a manutenção das estradas não acompanha as demandas. Segundo ele, as importantes obras de infraestrutura são das décadas de 1960 e 1970. Ribeiro lembra que, agora, começa a temporada de chuvas – que contribui ainda mais para o desgaste da estrutura.


Problema é comum nas rodovias estaduais. Muros de contenção não conseguem resolver a situação.

A BR-381 é um caso que ilustra essa combinação. O ritmo das intervenções nessa rodovia, que liga Belo Horizonte a Governador Valadares, no Leste de Minas, deve se tornar mais lento a partir deste momento. Nos últimos meses, algumas obras melhoraram o traçado da estrada, mas, atualmente, apenas dois dos 11 lotes em que o projeto de duplicação foi dividido estão com trabalhos em andamento. As intervenções têm acontecido de maneira intercalada, o que resulta em trechos com construções inacabadas, que já estão sendo utilizados por motoristas que trafegam na estrada, alternando entre o asfalto reformado e aquele que precisa de manutenção neste período chuvoso.

O imbróglio envolvendo as etapas da duplicação da BR-381 não é recente. A execução das obras vem enfrentando empecilhos desde 2014. Uma das empresas que integraram o consórcio vencedor da licitação para executar as intervenções em quatro lotes da rodovia foi alvo de denúncias na operação Lava Jato por suspeita de envolvimento em corrupção. O processo culminou na investigação de cinco integrantes da construtora e na condenação de ex-funcionários.

Para os belo-horizontinos não há previsão de melhorias. A licitação do trecho entre a capital e Caeté, na região metropolitana de Belo Horizonte, nem sequer saiu do papel. Foram duas tentativas frustradas para a contratação de interessados em executar as obras no lote 8, mas ainda não há expectativa para o início dos trabalhos.

A BR-262 também enfrenta problemas. Ela liga Vitória (ES) ao Triângulo Mineiro, passando pela região metropolitana. Apesar de estar estrategicamente localizada como um dos principais acessos à região Centro-Oeste do país, convive há mais de cinco anos com um barranco que chega à pista. Na cidade de Abre Campo, uma parte da rodovia está estreita, e são frequentes os acidentes.

Na MG-329, rodovia que liga Ponte Nova a Rio Casca, não há acostamento, e o asfalto cedeu, abrindo uma cratera. Já é um trecho conhecido pelos obstáculos nas pistas, como buracos, deformações no asfalto e sinalização deficiente, e as chuvas potencializam os riscos.

Raio X

Recentemente, pesquisadores da Fundação Dom Cabral (FDC) fizeram um mapa dos pontos críticos de rodovias que cortam Minas Gerais, e a conclusão apontou para a necessidade de mais investimentos a fim de mudar a realidade de acidentes e mortes nas estradas. Os dados são de um raio X de 200 mil km de rodovias feito no país, que mostrou que quase a metade delas (45,3%) está em condições ruins.

Caminhões são obrigados a passar bem perto do barranco.

De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), dos 9.224 km de estradas privatizadas, 3.330 km precisam ser duplicados, mas somente 570  km estão prontos.

A previsão dos pesquisadores é de uma piora significativa das estradas, em um futuro bem próximo, mesmo com os investimentos programados.

Segundo a Plataforma de Infraestrutura em Logística de Transportes (PILT), da Fundação Dom Cabral, se todos os projetos previstos no Plano Nacional de Logística (PNL) do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) não forem concluídos até 2025, a situação rodoviária do país vai piorar. Isso porque o PNL não contempla a manutenção das estradas, e mais da metade estará em péssimas condições até lá.

A conclusão do estudo faz uma analogia: “estão construindo puxadinho em casa velha quando é possível investir R$ 300 bilhões até 2035, com 70% de recursos privados, para otimizar o setor”. Pela estimativa, com esse montante, cuja participação de recursos públicos seria de R$ 90 bilhões, diluídos em 17 anos, é possível reduzir o custo com transportes em R$ 31 bilhões por ano em 2035.

A partir da Matriz de Origem e Destino (MOD), desenvolvida pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL) em 2015, e do acesso a dados privados, com a ajuda da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), a pesquisa da Fundação Dom Cabral avaliou mais de 195 mil km de estradas, responsáveis por 89% do tráfego brasileiro, e 19 mil km de ferrovias, além dos modais aquaviário e dutoviário. São observadas rodovias em ótimo estado, concentradas em São Paulo, e estradas péssimas por todo o país – de acordo com a análise.

“Há estradas que não têm movimento. Portanto, não é preciso investir ali. É necessário, isso sim, elevar a qualidade de rodovias mais importantes e apenas tapar buracos nas que não têm movimento. Assim, dos quase 200 mil km de rodovias, 80 mil km estão em estado péssimo, mas não têm um volume de demanda que justifique investimentos pesados. É preciso concentrar esforços nos outros 120 mil km e elevar o nível de serviço das rodovias com mais tráfego”, destaca o estudo.

Impactos na sociedade

A péssima situação das estradas é, segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o principal motivo para que Minas seja o Estado com o maior número de mortes em estradas federais. Entre 2007 e 2017, 12.367 pessoas perderam a vida em acidentes nas BRs mineiras, o que representa 14,9% das mortes em todo o país no período.

Apesar de Minas ter a maior malha rodoviária do país, o que explica o alto número de mortes não é o tamanho, mas a qualidade das rodovias. De acordo com a CNT, as BRs 116, 153, 381, 040, 364 e 262 são as que demandam maior atenção por terem a capacidade saturada.


Risco de acidente é alto nas rodovias.

A ausência de estrutura rodoviária adequada também diminui a eficiência do transporte e encarece em até 40% o custo do serviço, segundo a CNT. Além disso, a sobrecarga da rodovia produz lentidão, buracos e risco de acidentes, gerando prejuízo para os transportadores.

A origem

A ausência de investimento está na contramão da importância do setor. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, o modal rodoviário respondeu por mais de 60% do total transportado no país.  A origem dessa dependência está nos anos 1960 e 1970 do século passado, quando a malha rodoviária federal pavimentada cresceu rapidamente, passando de 8.675 km em 1960 para 47.487 km em 1980.

A partir de então, o crescimento foi lento, alcançando-se, em 2000, 56.097 km. Isso ocorreu porque a malha rodoviária brasileira foi construída por meio de recursos arrecadados pela União – imposto sobre combustíveis e lubrificantes e imposto incidente sobre a propriedade de veículos e outros – destinados à implementação do Plano Rodoviário Nacional e ao auxílio financeiro aos Estados na execução de investimentos rodoviários.

Todavia, esse arranjo passou a perder força depois de 1974, quando parte dos recursos direcionados ao segmento começou a contemplar outras prioridades. Seu término se deu com a Constituição Federal (CF) de 1988, que proibiu a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas predeterminadas.

“Desde então, a infraestrutura rodoviária depende quase exclusivamente de recursos ordinários da União. Com a crise fiscal dos governos estaduais e federal, essa verba passou a ser disputada por muitas áreas, e, apesar de receber, em média, 58% dos recursos destinados ao transporte de 2002 a 2009, o sistema rodoviário foi contemplado com baixos níveis de investimentos públicos, insuficientes até para sua manutenção. Assim, os parcos recursos legados à manutenção e à recuperação das estradas, somados à utilização permanente e em grande escala desse modal, contribuíram para a deterioração das vias, que, hoje, apresentam uma demanda de mais de R$ 180 bilhões em obras”, segundo a publicação “Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025”.

Caminhos privados

A queda no repasse de recursos federais para investimento em infraestrutura rodoviária ao longo das últimas décadas levou o governo federal a buscar, desde 1995, o apoio de empresas privadas por meio do Programa de Concessão de Rodovias Federais, que abrange 11.191,1 km de rodovias, desdobrado em concessões promovidas pelo Ministério dos Transportes, pelos governos estaduais e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

De acordo com o estudo “Rodovias Brasileiras: gargalos, investimentos, concessões e preocupações com o futuro”, o Brasil possui cerca de 9% de suas estradas nas mãos da iniciativa privada, um percentual bem superior à média mundial. Conforme pesquisas realizadas pela Associação Nacional de Transportes de Cargas, a média mundial é de 2%.

A experiência internacional também difere significativamente da brasileira à medida que, na maioria dos países, as concessões se destinaram à construção de autopistas.

Dessa maneira, o programa de concessões rodoviárias no Brasil visou à transferência de ativos do setor público para o privado, enquanto que, na maior parte dos países, trata-se de um programa de criação de ativos. Possivelmente, por ser mais fácil e rápido transferir em vez de construir uma rodovia, o Brasil fez mais concessões do que os demais países.

“Essa diferença entre o programa de concessão brasileiro e os internacionais mostra que, aqui, os investimentos realizados pelo setor privado foram muito inferiores aos feitos no exterior. Esse fato é importante e indica que não é um procedimento aceitável comparar o valor da tarifa de pedágio brasileira com o da de outros países. Naturalmente, o valor nacional de pedágio, independentemente do fluxo de veículos, tem de ser significativamente menor do que o praticado em outros lugares, onde as concessionárias tiveram de investir na construção das autoestradas. Assim, seria uma comparação de dois produtos diferentes. Uma coisa é o preço para utilizar uma autopista, como as construídas no exterior; outra é aquele para trafegar em rodovias de pistas simples, como na maioria das concessões brasileiras, que transferiram para a iniciativa privada 8.345 km de rodovias de pistas de mão dupla”, distingue o estudo.

Outra característica da Lei de Concessões brasileira é que ela não estabelece a obrigatoriedade de o poder público (concedente) manter trajetos ou vias alternativas livres de pedágio como condição prévia para a outorga de concessões, embora isso seja observado em outras nações, como no México, que, por força de lei, “mantém estradas alternativas, sem pedágio, na mesma rota, para os usuários que preferirem recorrer aos trechos livres em seus deslocamentos, embora trafeguem por estradas de pistas simples em vez de em autoestradas”.

A principal conclusão do estudo é que a rodovia concedida recupera sua condição operacional, mas sua estrutura, em termos de capacidade, basicamente, não se altera pelo período da concessão. Assim, no curto prazo, o programa deve apresentar uma resposta positiva à medida que a rodovia em bom estado operacional atenda à demanda de transporte. 

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