Grande, pesado, mas do bem

Acidentes envolvendo veículos pesados apresentam, historicamente, redução nas rodovias federais brasileiras. Associações e sindicatos do transporte rodoviário de cargas são parceiros na garantia da segurança.

Capa / 20 de Setembro de 2017 / 0 Comentários
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A terceira edição do “Atlas da Acidentalidade no Transporte Brasileiro” – lançada recentemente pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito – revela redução no número de acidentes com vítimas. O estudo teve como base registros ocorridos nos 126.874 km da rede de rodovias federais do país, especialmente envolvendo caminhões e ônibus. Realizado desde 2007, o atlas visa baixar a lente nos acidentes com veículos pesados, que, na contramão das estatísticas nacionais que contemplam todos os tipos de transporte, têm mostrado mais segurança no trânsito. Nos últimos dez anos, o Brasil registrou aumento de 50,3% no número de acidentes em rodovias federais. As mortes cresceram 34,5%, e a quantidade de feridos, 50%. Os dados estão no relatório “Acidentes de Trânsito nas Rodovias Federais Brasileiras”, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Nesse atlas também é utilizado o critério do Ipea para a construção do chamado Índice de Gravidade (IG), para a classificação que considera, exclusivamente, as pessoas diretamente envolvidas no acidente, e seu valor é definido pela vítima mais grave.

VÍTIMAS DA PRECARIEDADE

Contudo, pode-se dizer que os profissionais que conduzem veículos pesados são as principais vítimas da ausência de políticas em torno da segurança viária. O dia a dia nas estradas faz com que eles vivenciem a falta de estrutura rodoviária adequada, a sinalização precária e a inexperiência e a imprudência de motoristas. Segundo estudos do Ipea, um acidente  fatal gera um custo médio de R$ 647 mil, enquanto o com vítima custa R$ 90 mil, e o sem vítimas, R$ 23 mil, gerando impacto na economia, na saúde, na previdência, enfim, em todas as áreas. No âmbito social, existe uma conta impagável, que são as mortes (custo emocional imensurável) e a legião de sequelados de forma provisória ou permanente em todo o Brasil. Com o objetivo de coordenar esforços globais e convocar os países para atuarem em prol da melhoria da segurança viária, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou, em 2010, o período de 2011 a 2020 como a Década de Ação pela Segurança no Trânsito. A meta global é salvar 5 milhões de vidas nesse intervalo, o que significa uma redução em torno de 33% no número de óbitos, tendo como referência os índices de 2011, ou de 50%, com base nas projeções para 2020. Apesar de o Brasil ser signatário da Década Mundial de Ações para a Segurança do Trânsito, passada praticamente metade do período, nada ou quase nada foi feito para mudar o grave quadro da morbimortalidade nacional. No ranking mundial referente à vítima de acidentes de trânsito de 2010 da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil ocupava a 148ª posição, com um indicador de 22,5 óbitos por 100 mil habitantes, enquanto países latinos, como Chile (12,3), Argentina (12,6) e México (14,7), apresentavam índices consideravelmente menores. Vale ressaltar que, de acordo com esse relatório, o indicador brasileiro era ainda pior, de 22,9 óbitos a cada 100 mil habitantes. A OMS estima que, se nada for feito, 1,9 milhão de pessoas devem morrer no trânsito em 2030 (e, com isso, essa passará a ser a sétima maior causa de mortalidade no mundo). Nesse período, entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas sobreviverão aos acidentes a cada ano com traumatismos e ferimentos.

O professor Archimedes Azevedo Raia Junior, da Universidade Federal de São Carlos-UFSCar e líder do Núcleo de Estudos em Trânsito, Transportes e Logística (Nesttral), já falou à equipe de reportagem da Entrevias sobre a falta de vontade política. “A segurança viária nunca esteve na pauta dos políticos brasileiros. Aliás, os transportes não são prioridade nacional. No governo federal, por exemplo, as responsabilidades pelos transportes estão totalmente pulverizadas em diversos ministérios e secretarias, o que torna extremamente difícil desenvolver e implantar uma política consistente de transportes.

O Brasil possui leis (CTB, Lei Seca, Plano Nacional de Mobilidade Sustentável etc.) adequadas, porém é preciso que nossos governantes, aqui se considerando as três esferas de poder, assumam efetivamente o compromisso de resolver os graves problemas de insegurança viária”, declara. O pesquisador e autor da análise, o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho – que conversou com a equipe da Entrevias na época da divulgação dos dados –, explica que dois objetivos principais devem embasar as políticas públicas: reduzir a quantidade de acidentes e diminuir sua gravidade.O primeiro grupo de políticas se refere à educação no trânsito. Em média, 20% das mortes estão associadas à desatenção, e, proximadamente, 15% são provocadas pela ingestão de álcool ou pelo não cumprimento das regras básicas de trânsito. Para combater esses problemas, segundo o autor do estudo, são necessárias campanhas educativas permanentes enfatizando o uso de equipamentos de segurança, o capacete no caso de motocicleta, a importância de se cumprirem as regras de circulação e de não ingerirem álcool antes da direção, entre outras medidas. O segundo grupo de políticas públicas está ligado à estrutura de fiscalização. A pesquisa mostrou que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) conseguiu uma diminuição do número de acidentes quando se compararam os anos de 2010 e 2014. Um dos motivos foi, conforme Carvalho, o fato de o órgão utilizar melhor as informações, concentrando seus efetivos nos trechos e nos horários mais críticos. Com isso, houve uma maior eficiência. “O governo tem que investir em estrutura de fiscalização.

A presença do policial nas rodovias é que vai inibir os infratores de não cometerem os desvios de trânsito. Então, é importante que, além de existir essa estrutura, haja uma política de acompanhamento de informação estatística para o planejamento da operação. É preciso inteligência na estrutura de fiscalização”, exalta Carvalho.

EXEMPLOS QUE VÊM DOS TRANSPORTADORES

Na contramão da inércia de políticas públicas que visam garantir a vida de motoristas, sindicatos e associações de transporte rodoviário de cargas implementam ações para oferecer segurança aos profissionais do setor. O sindicato dos cegonheiros de Minas monitora, desde 2014, a velocidade máxima dos caminhões por rastreadores, tendo como base o limite da via.

Caso o motorista passe de 90 km/h, ele e o caminhão ficam suspensos por um dia. A ação tem os objetivos de reduzir acidentes, preservar a saúde dos motoristas e garantir a excelência na prestação do serviço e a segurança da sociedade. “Foi uma iniciativa inédita na área sindical e que, felizmente, foi replicada por diversas instituições graças ao importante resultado.

A redução da velocidade, juntamente com medidas de conscientização, gerou significativa diminuição de acidentes, e as vidas e as famílias foram preservadas”, comemora o presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto), Carlos Roesel. O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes, também implementou o controle de velocidade para os caminhões de seus associados. “Se observamos algum excesso, o alerta é feito em tempo real. Também aposto em conversas constantes com os profissionais, mostrando a importância de terem prudência e atenção. A instituição fez ainda, recentemente, um vídeo educativo com orientações de segurança no trânsito, e estamos veiculando em diversos espaços: empresas, outras associações, sindicatos – para quem tiver interesse”, diz.

O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Centro-Oeste Mineiro (Setcom), Anderson Cordeiro, ressalta que conta com o apoio de especialistas para discutir a segurança com seus parceiros. “Realizamos um trabalho na prevenção de acidentes e também palestras sobre temas que fazem parte da gestão das transportadoras”, explica.

O inspetor De Paula, educador e consultor de trânsito, relata o trabalho feito no Setcom. O especialista atua há mais de 30 anos no segmento de transportes e presta serviços a sindicatos, cooperativas, associações, embarcadoras e transportadoras. “Temos desenvolvido projetos de segurança no trânsito com sucesso, como no caso do Setcom, em que levamos nossos conhecimentos técnicos às empresas sindicalizadas para o aperfeiçoamento, a atualização e a reeducação dos motoristas.

Obtivemos resultados imediatos na diminuição de acidentes de trânsito e de multas, na disciplina dos motoristas, na autoestima, na apresentação pessoal de cada um e no cuidado e no zelo com sua ferramenta de trabalho, que é o caminhão”, afirma o inspetor. Ele ressalta que um acidente de trânsito não é obra do acaso ou uma fatalidade, como se costuma dizer. “Ele ocorre por fatores que vão se somando. Mas esses podem ser eliminados. Todo acidente de trânsito pode ser evitado, e os motivos que colaboram para que ele ocorra podem ser o homem, o veículo ou a via/ambiente”, salienta. O especialista também contextualiza a importância da formação nesse ambiente de avanço tecnológico. Os caminhões estão cada vez mais modernos, e os profissionais devem se aperfeiçoar para se manterem no mercado. “Com minha experiência de longos anos trabalhando em uma dirigibilidade segura dos motoristas profissionais, tenho levado conhecimentos técnicos e operacionais de como dirigir defensivamente, de maneira a evitar os acidentes, e isso tem dado resultados, conforme relatos das empresas nas quais sou facilitador de um aprendizado constante”, conclui De Paula.

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