Greve de caminhoneiros: o estopim

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Capa / 30 de Novembro de 2015 / 0 Comentários

Fotos: Augusto Martins e Arquivo Entrevias

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Principais pautas das manifestações são redução do preço do óleo diesel e criação do frete mínimo. Conotação política do protesto – o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff – foi interpretada como nociva ao movimento.

A terceira Lei de Newton, conhecida como “Ação e Reação”, é aplicada ao contexto do setor de transporte rodoviário de cargas do Brasil. A ausência da implementação de politicas públicas que garantam condições de trabalho – paradoxalmente, neste caso, a inércia – foi o estopim da greve deflagrada pela categoria no dia 9 de novembro.

Caminhoneiros bloquearam vários trechos de rodovias pelo país. No primeiro dia, 14 Estados da Federação contaram com protestos, que variaram entre impedimentos totais ou parciais. Em 10 de novembro, quatro Estados declinaram, e, nos dias seguintes, as manifestações perderam adeptos.

Contudo, a relevância da mobilização é pertinente. O movimento protesta contra o baixo valor do frete e o alto custo do diesel, exigindo a criação do frete mínimo – mesmas pautas das manifestações do início deste ano –, salário unificado em todo o país e a liberação de crédito com juros subsidiados no valor de R$ 50 mil para transportadores autônomos.


IMPEACHMENT

Os transportadores manifestantes também solicitam a ajuda do governo federal no refinanciamento de dívidas de compra de seus veículos e o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. Para o presidente da Associação de Prevenção de Acidentes e de Assistência aos Amigos e Cooperados da Coopercemg (Apacoop), Rogério Batista do Carmo, o viés político da mobilização não é bem-vindo. “Toda greve é legítima, pois reivindica demandas necessárias à sociedade. Contudo, temos que separar as questões políticas. Sabemos que há pessoas que aproveitam as oportunidades para levantarem bandeira para outras questões. Isso é prejudicial, e, mais uma vez, o grande prejudicado foi o caminhoneiro”.

Ele esclarece que a pauta política não foi identificada em Igarapé (MG), por exemplo. Nessa região, os manifestantes focaram as condições dignas de trabalho e as politicas públicas acordadas, mas não implementadas pelo governo federal.

Um dos integrantes do movimento em Igarapé, Sidney Inácio do Nascimento, reforça seu caráter técnico afirmando que as reivindicações visam chamar a atenção para ações não cumpridas pelo Executivo, como o refinanciamento de caminhões, a não-cobrança de pedágio do eixo suspenso – a cobrança continua ocorrendo –, a redução do preço do diesel e o tratamento adequado da carga tributária. “Não levantamos bandeira política, e, sim, ressaltamos a insustentabilidade do setor”.

Todavia, ele acredita que essa interpretação comprometeu o movimento, gerando a não-adesão das instituições que representam os transportadores, inclusive os autônomos.

DIÁLOGO
Na opinião de Raimundo Luiz Fernandes, presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Centro-Oeste Mineiro (Setcom) e da Casa do Rotariano em Contagem, para a busca de soluções e a implementação de políticas públicas, deve-se priorizar o diálogo. Ele demonstra uma preocupação com a insustentabilidade dos negócios, ressaltando o colapso do setor por meio da falência de diversas transportadoras. “Valorizamos iniciativas que buscam reunir representantes do setor de transportes – motoristas, empresários e embarcadores –, governo e instituições patronais e profissionais. Vivemos a carga pesada que está o transporte no país, enfrentando diversos desafios, inclusive estruturais. No entanto, o diálogo é o melhor caminho”, avalia o presidente.

O conselheiro do Setcom Hélio dos Santos Pires Junior também pontua a importância de o movimento ser cada vez mais profissionalizado. “Esta greve está se tornando política. Para uma reivindicação ter força, é fundamental unir toda a rede de transporte e buscar novas formas de mobilização, tratando de temas pertinentes a todos os, envolvidos, sem necessariamente bloquear estradas e comprometer o trânsito”.

Para ele, falta vontade política para executar medidas que contribuam para a sustentabilidade do setor, como a prática obrigatória da tabela mínima de frete. “O governo controla diversos preços. Por que não gerencia essa prestação de serviço?”, questiona.

SANÇÕES

O Planalto alega que atendeu à maior parte das reivindicações da categoria, que, em abril, fez sua última paralisação. Oficialmente, os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Edinho Silva (Comunicação Social), integrantes do gabinete de crise montado para acompanhar a greve, foram para o embate com os manifestantes.

O ministro da Justiça determinou, em 11 de novembro, o apoio da Força Nacional de Segurança Pública à Polícia Rodoviária Federal, que atuará na garantia da liberdade de circulação nas rodovias brasileiras. A ajuda está garantida pelo período de 20 dias, contado a partir da data de publicação da medida (11), e seguindo planejamento e definição da Polícia Rodoviária Federal.

Também no dia 11, foi editada a Medida Provisória 699, estabelecendo multa de R$ 5.746 para quem “usar veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via”. “O valor é avaliado pelo dano social que esses comportamentos trazem”, disse o ministro da Justiça. “O governo federal não pode admitir que pessoas, sem terem uma pauta de reivindicações e por uma questão política, fechem estradas para impor aquilo que acham que deve acontecer com o país por meio de uma medida inaceitável”, criticou Cardozo.

A presidente Dilma Rousseff alertou que reivindicar é um direito dos cidadãos, mas obstruir estradas é crime. “Nós construímos a democracia, vamos seguir. Agora, este país é um país responsável. Interditar estrada, comprometer a economia popular, desabastecendo de alimentos ou combustíveis, isso tem um componente de crime já previsto. Nós iremos impedir que haja qualquer prejuízo à economia popular, caracterizada como o abastecimento de todo o país, às atividades econômicas, ao tráfego de combustível, essencial para vários setores. Isso não será permitido”, declarou a presidente em nota oficial.

Atualmente, o Código Nacional de Trânsito prevê uma multa de R$ 1.915 para quem promover, nas vias públicas, competição, eventos organizados, exibição e demonstração de perícia sem permissão da autoridade de trânsito. Essa punição será mantida, mas, no caso da obstrução deliberada com o uso do veículo, o condutor será enquadrado em uma infração gravíssima, e será aplicada uma multa de trânsito de R$ 5.746, podendo o valor dobrar para R$ 11.492 em caso de reincidência.

MEDIDA ARBITRÁRIA
Diversos parlamentares se posicionaram contra a medida provisória. Em reunião da Comissão de Agricultura, o deputado federal Valdir Colatto (PMDB/SC) apresentou requerimento de convocação dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Casa Civil, Jacques Wagner. “O governo deveria ter antecipado a pauta. Com a medida provisória, optou pela guerra no lugar do diálogo. E isso vai complicar muito. Queremos a não-vigência da multa neste momento para dialogarmos e resolvermos o impasse. Tenho certeza de que, ao anularmos essa medida, abriremos espaço. Na última greve, foram multados motociclistas, agricultores e diversas pessoas que passavam nas rodovias, que precisavam estacionar, e não foram retiradas as sanções”, pontuou o deputado.

O deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG), em defesa da classe, apoio a paralisação e reafirmo o compromisso com a categoria de buscar solução para os problemas vividos por esses profissionais que desenvolvem um importante trabalho para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. As reivindicações dos caminhoneiros são justas, e o governo precisa abrir o diálogo e não aplicar multas, mas se afasta do debate que tem que ser feito”, critica.

De acordo com o presidente da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), Luiz Carlos Neves, a medida é arbitrária e vai de encontro ao governo que diz valorizar a liberdade dos cidadãos. “A ação do governo é absurda. A greve parte do princípio de que as demandas não foram atendidas. Lembremos que nenhuma das reivindicações até agora foi solucionada pelo Fórum Permanente do Transporte, do qual as lideranças sindicais participam, mas no qual não estão obtendo sucesso”.

Visando anistiar os caminhoneiros que estão realizando protestos, no dia 11 de novembro, o deputado federal Major Olímpio apresentou o Projeto de Lei 3.617, cujo objetivo é absolver as penalidades daqueles que participaram das manifestações.

REPRESENTATIVIDADE
A Fenacat entende que toda forma de manifestação, desde que pautada na objetividade das reivindicações, sem qualquer outro motivo oculto, sempre deve ser respeitada. “Em princípio, quando começaram a divulgar os vídeos do chamamento para a greve dos caminhoneiros, via-se claramente que o motivo principal era político e exigia o impeachment da presidente Dilma. Entretanto, não podemos negar que o movimento foi ganhando força, pois o caminhoneiro , desde a promulgação da Lei 13.103/15, a Lei do Caminhoneiro, não viu qualquer de suas reivindicações atendidas. É indiscutível que as reivindicações da categoria são reais e que precisam ser atendidas com urgência para não matar a classe”, diz nota pública da federação.

O Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Minas Gerais (Setcemg), entidade representativa da categoria econômica das empresas de transporte rodoviário de cargas, não apoiou o movimento de greve dos caminhoneiros. “A entidade respeita o direito constitucional de livre manifestação e reivindicação de toda a sociedade e de cada indivíduo em particular, porém não endossa as manifestações ilegais e que não respeitam o direito coletivo, promovem o desabastecimento, impedem o livre direito de circulação, o acesso aos bens e serviços públicos, e causam transtornos a toda a sociedade”, apresenta a nota pública.

A Confederação Nacional do Transporte (CNT) também se posicionou em respeito ao direito constitucional de livre manifestação e reivindicação de toda a sociedade e de cada indivíduo, porém “não endossa as manifestações ilegais e que não respeitam o direito coletivo, promovem o desabastecimento, impedem o livre direito de circulação, o acesso aos bens e serviços públicos, e causam transtornos a toda a sociedade (...).

“Por fim, consideramos imoral e repudiamos qualquer mobilização que se utilize da boa-fé dos caminhoneiros autônomos para promover o caos no país e pressionar o governo em prol de interesses políticos ou particulares, que não se coadunam com os problemas da categoria”, critica a nota pública.

A Federação dos Caminhoneiros Autônomos de Cargas em Geral do Estado de São Paulo (Fetrabens) emitiu um comunicado oficial dizendo que “a Fetrabens e todos os sindicatos filiados no Estado de São Paulo não participam nem apoiam nenhum tipo de movimento paredista ou social, que venha falar em nome da categoria dos transportadores autônomos de carga”.


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