Guerra nas estradas

Violência registrada nas rodovias brasileiras é comparável à de conflitos bélicos da Ásia, conforme mostrado em um balanço divulgado pela CNT no fim deste ano. Investimentos em infraestrutura e em educação são algumas das soluções apontadas por especialis

Capa / 18 de Janeiro de 2020 / 0 Comentários
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Um dia, 14 mortes, 190 acidentes. Esse é o retrato diário das rodovias brasileiras, de acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) referentes às ocorrências registradas entre 2007 e 2018. O balanço da corporação foi apresentado no Painel de Consultas Dinâmicas de Acidentes Rodoviários da Confederação Nacional do Transporte (CNT), divulgado no fim deste ano. As estatísticas confirmam a percepção que a sociedade tem do perigo nas estradas do país.

Somente em 2018, foram contabilizados 69.206 acidentes, sendo 53.963 com vítimas e 5.269 com óbitos. Nos 12 anos analisados pela CNT, o Brasil teve 1,7 milhão de acidentes em rodovias federais. Desse total, 751,7 mil tiveram feridos, e 88,7 mil resultaram em mortes. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, quase 20 mil pessoas morreram na guerra em 2018. A comparação revela que as estradas brasileiras alcançam os mesmos patamares de violência de conflitos bélicos.

“Verificamos uma redução do número de acidentes nos últimos anos, especialmente a partir de 2015, quando foram implementadas multas com valores mais altos e uma fiscalização mais intensiva. Contudo, as rodovias ainda apresentam um retrato desolador e muito preocupante”, avalia o coordenador de estatística e pesquisa da CNT, Jefferson Cristiano.

Segundo ele, os acidentes acontecem devido a uma combinação de fatores: estrutura rodoviária, estado de manutenção e de conservação do veículo, condições climáticas, fiscalização, formação e comportamento do condutor. “Nosso trabalho visa mostrar que os acidentes são o resultado de uma composição de variáveis. Assim, desmitificamos a ideia de que o motorista é o único responsável por todas as ocorrências”, afirma o coordenador.

As rodovias campeãs em acidentes são as BRs 101 e 116, com 8.896 e 7.524 registros em 2018, respectivamente. Se forem consideradas as mortes, as duas vias permanecem nos primeiros lugares (BR-116 com 649 e BR-101 com 615). O Estado que mais registrou acidentes fatais no ano passado em números absolutos foi o mineiro, com 7.214 ocorrências e 693 óbitos.

“Minas Gerais é o Estado com a maior malha rodoviária do país. Em termos proporcionais, ele também tem o maior número de acidentes e o maior custo. A BR-381 é uma das que registram mais ocorrências, e o seu traçado contribui muito para esse resultado. É preciso investir em infraestrutura rodoviária para que as pessoas tenham uma segunda chance de vida”, ressalta Jefferson Cristiano.

O tipo de pista – simples, dupla ou múltipla – também é um fator preponderante para a causa dos acidentes. Segundo o estudo da CNT, em rodovias de pistas simples, o risco de morte dobra em relação às de pistas duplas ou múltiplas, em função da probabilidade maior de ocorrerem colisões frontais.

Vilão fake

A CNT também realizou uma análise específica de acidentes envolvendo caminhões. As estatísticas mostram que os veículos pesados não estão presentes na maioria das ocorrências. Mais de 60% delas têm o envolvimento de carros de passeio; em mais de 40% há motocicletas; e somente em cerca de 20% há caminhões. “A ocorrência envolvendo caminhão traz maior risco devido às características e ao porte desse tipo de veículo. Portanto, os caminhoneiros também são os usuários mais expostos aos riscos das estradas”, considera o representante da CNT.

O estudo “Acidentes Rodoviários - Estatísticas Envolvendo Caminhões” – também divulgado pela confederação – mostrou que a gravidade dos acidentes aumenta gradativamente à medida que as condições da via pioram.

“Segundo a Pesquisa CNT de Rodovias, o menor índice de gravidade é observado em condições ‘ótimas’ de sinalização (seis mortes a cada cem acidentes). Já em condições ‘péssimas’ de sinalização, o índice é bem maior, com 15,6 mortes a cada cem ocorrências. Temos ainda um agravante ao considerarmos que a frota de veículos praticamente dobrou ao longo de dez anos, ao passo que a extensão rodoviária cresceu aproximadamente 12% no mesmo período. Dessa forma, entende-se que o crescimento não tem sido acompanhado pelo desenvolvimento de políticas de infraestrutura capazes de absorver as necessidades demandadas pelo aumento do fluxo de veículos”, constata o estudo.

Os profissionais que conduzem veículos pesados são as principais vítimas da falta de medidas em prol da segurança viária. No dia a dia nas estradas, eles enfrentam uma estrutura rodoviária inadequada, sinalização precária, a inexperiência e a imprudência de outros motoristas. Além disso, os transportadores atuam sob pressão para cumprirem os prazos, sem terem locais adequados para descanso, mesmo percorrendo longas distâncias.

Prioridade absoluta

“Os acidentes rodoviários poderiam ser evitados se, de fato, o Estado se preocupasse com isso, mas a arrecadação vem em primeiro lugar. Radares são instalados em locais onde sua função não passa da arrecadatória. Pessoas se habilitam sem nunca terem ‘pisado’ em uma rodovia. O resultado é dramático”, critica o diretor da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas do Centro-Oeste Mineiro (Setcom) e do Sindicato das Associações de Auxílio Mútuo dos Transportadores de Carga e de Pessoas do Estado de Minas Gerais (SindMútuo-MG), Geraldo Eugênio de Assis.

Especialistas em segurança viária enfatizam que dois objetivos principais devem embasar as políticas públicas: reduzir a quantidade de acidentes e diminuir a gravidade deles. O primeiro se refere à educação no trânsito. Em média, 20% das mortes estão associadas à desatenção, e aproximadamente 15% são provocadas pela ingestão de álcool ou pelo descumprimento de regras básicas. Para combater esses problemas, são necessárias campanhas educativas permanentes evidenciando a importância do uso de equipamentos de segurança, de se cumprirem as regras de circulação e de não ingerir bebida alcoólica antes de dirigir, por exemplo.

O segundo objetivo está relacionado à estrutura de fiscalização. A presença do policial nas rodovias inibe os infratores. Também é preciso uma política de acompanhamento das estatísticas, para que seja feito o planejamento da operação, ou seja, uma estrutura de fiscalização inteligente.

Responsabilidade

Independentemente de atuação política, motoristas, sindicatos e associações de transporte rodoviário de cargas – cientes da responsabilidade de cada um – desenvolvem ações para oferecer mais segurança aos profissionais do setor. O Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto), desde 2014, monitora a velocidade máxima dos caminhões de acordo com a sinalização das vias. A iniciativa visa reduzir acidentes, preservar a saúde dos motoristas e garantir a excelência na prestação do serviço e a segurança da sociedade. “Foi uma iniciativa inédita na área sindical, que, felizmente, foi replicada por diversas instituições graças ao importante resultado. A redução da velocidade, juntamente a medidas de conscientização, gerou uma significativa diminuição do número de acidentes. Vidas e famílias foram preservadas”, comemora o presidente do Sintrauto, Carlos Roesel.

O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes, também implementou o controle de velocidade dos caminhões de seus associados. “Se observamos algum excesso, o alerta é feito em tempo real. Também aposto em conversas constantes com os profissionais, mostrando a importância de terem prudência e atenção. A instituição fez ainda um vídeo educativo com orientações de segurança no trânsito, e estamos veiculando em diversos espaços – empresas, outras associações, sindicatos – para quem tiver interesse”, ressalta Arantes.

O educador e consultor de trânsito inspetor De Paula destaca a importância das iniciativas que levam o conhecimento técnico às empresas sindicalizadas na forma de aperfeiçoamento, atualização e reeducação de motoristas. “Os resultados são imediatos na diminuição de acidentes de trânsito, na redução de multas, no aumento da disciplina dos motoristas, na melhoria da autoestima e da apresentação pessoal de cada um, bem como no cuidado e no zelo com a ferramenta de trabalho, que é o caminhão”, garante.

O inspetor De Paula também sublinha a relevância da atualização constante em tempos de avanços tecnológicos. Os caminhões estão cada vez mais modernos, e os profissionais devem se aperfeiçoar para se manterem no mercado, conforme destacado pelo especialista.

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