INDÚSTRIA DA MULTA

Fiscais do Inmetro multam por cronotacógrafos com laudo vencido de veículos que estão parados no pátio das transportadoras há tempos

Capa / 29 de Outubro de 2018 / 0 Comentários
A- A A+

Imagine a seguinte situação: sua transportadora ser multada por não realizar atualização do cronotacógrafo em caminhões que não circulam há um bom tempo. Parece-lhe sem sentido? O diretor operacional da Cerama Transportes, Marcos Massari, conta que, recentemente, recebeu na empresa fiscais do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que verificaram as condições do cronotacógrafo e autuaram 12 veículos que estavam com o laudo vencido.

Contudo, esses caminhões estão há três anos parados. “Em setembro de 2015, devido à forte crise econômica, a transportadora otimizou seu quadro de profissionais, pois as atividades do setor reduziram muito. Infelizmente, foram demitidos 70 motoristas na época, e, consequentemente, muitos caminhões ficaram parados. Esses veículos não circulam. Inclusive, alguns estão sem pneus e outros equipamentos, pois passamos para aqueles que estão transportando. Mesmo assim, recebemos a multa”, relata Massari.

O cronotacógrafo é usado para monitorar o trânsito de ônibus e caminhões. Ele mede velocidade, tempo e distância e é usado como meio de controle e fiscalização dos veículos. No Brasil, o uso é obrigatório em ônibus e caminhões desde 1997 – quando foi instituído o Código de Trânsito Brasileiro –, em veículos de carga com peso bruto superior a 4.356 kg e de passageiros com mais de dez lugares. Desde 2009, os instrumentos passaram a ser verificados periodicamente pelo Inmetro.

A postura dos fiscais do instituto impactou a transportadora em cerca de R$ 15 mil. Como a Cerama atende empresas públicas, que requerem regularidade fiscal, ela optou por parcelar a multa, e, nesse momento, a transportadora realiza consulta jurídica visando recorrer quanto à autuação aplicada. “Sinto um misto de insatisfação e surpresa. Fico pensando como fiscais podem multar veículos que visivelmente estão parados, sem pneus? Contatamos advogados e estamos construindo a defesa”, diz Marcos Massari.

O advogado Antônio Carlos Paz analisa que cabem defesa e recurso administrativo e, em caso de não acatamento pelo Inmetro, ajuizamento de ação de nulidade de multa: “A legislação permite que fiscais do instituto tenham livre acesso a estabelecimentos comerciais. Mas tudo é discutível judicialmente, pois um veículo fora de serviço não pode ter ônus de fiscalização. Se não estavam circulando e há provas disso, é ilegal a autuação”.

A equipe da Entrevias contatou a assessoria de imprensa do Inmetro e solicitou um posicionamento do órgão quanto à atuação em veículos parados, e a área técnica não respondeu.

Equipamento legítimo

Não há questionamentos com relação à importância do cronotacógrafo como equipamento de segurança em veículos de transporte. Esse instrumento obrigatório registra instantânea e inalteravelmente a velocidade em função do tempo percorrido, e sua verificação serve para garantir que as medições realizadas por esses instrumentos sejam confiáveis, de acordo com os requisitos estabelecidos pelo Inmetro. Também é aliado do trabalho, pois os dados armazenados nessa ferramenta, quando devidamente analisados, podem auxiliar na diminuição expressiva dos custos operacionais.

O Código de Trânsito Brasileiro prevê, ao se conduzir o veículo com registrador viciado ou defeituoso, multa e retenção do caminhão para regularização. Além disso, o responsável é notificado sobre o uso do cronotacógrafo quando a fiscalização detecta problemas como falta de discos-reserva no modelo analógico ou fita de papel no modelo digital para que os registros sejam contínuos até o fim da operação de transporte; falhas ao se realizarem os registros das informações; indisponibilidade de dados como distância percorrida, tempo de viagem e das pausas no trajeto, data e hora do início do transporte e identificação de condutor e veículo referentes às últimas 24 horas, bem como ausência de registro do equipamento pelo Inmetro e os casos em que ele não está calibrado, selado e lacrado.

Atribuições do Inmetro

O instituto é responsável por elaborar e expedir regulamentos técnicos nas áreas de metrologia, abrangendo o controle das quantidades com que os produtos, previamente medidos sem a presença do consumidor, são comercializados, cabendo-lhe determinar a forma de indicação das referidas quantidades, assim como os desvios tolerados. Tem ainda o poder de polícia administrativa na área de avaliação da conformidade em relação aos produtos por ele regulamentados ou por competência que lhe seja delegada.

A fiscalização de uso do instrumento, de acordo com a Resolução 92/99 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), será exercida pelos órgãos executivos de trânsito. Já a fiscalização referente à verificação e à selagem selagem do instrumento deverá ser feita pelo Inmetro com o apoio dos órgãos de trânsito.

 “É de suma importância a busca pelo embasamento técnico para compor as decisões administrativas, com o intuito de evitarmos a reincidência de decisões equivocadas e sem o devido respaldo técnico. (...) Sempre que possível, deverá ser anexada uma evidência de cada irregularidade constatada, para fins de prova. Como evidência admite-se uma unidade do produto irregular (apreendida) ou foto (s) dele com a irregularidade, entre outras. Tais evidências devem identificar claramente a (s) irregularidade (s) e devem estar relacionadas no Documento Único de Fiscalização de Produtos (DUF) referente à ação de fiscalização”, diz o Procedimento Geral de Fiscalização da Qualidade do Inmetro.

Caso seja constatada mais de uma irregularidade em um único ou em vários produtos de uma mesma empresa, na ação de fiscalização, deve ser lavrado um único auto de infração para essa empresa, discriminando as constatações.


Por dentro da caixa-preta

Dentro do cronotacógrafo é colocado um disco que registra dados importantes, como velocidades desenvolvidas pelo veículo, intervalos de tempo parado, deslocamento e distâncias percorridas. Todas as informações contidas no diafragma são aceitas e utilizadas legalmente em caso de acidentes ou denúncias de má condução do veículo.

Ele deve ser trocado a cada 24 horas – disco diário – ou sete dias – disco semanal. Ambos contêm áreas específicas para o registro de velocidade, distância percorrida e tempo. No centro do aparelho há espaço para nome do condutor, local, data de início e término de percurso, identificação do veículo, começo e fim da indicação do hodômetro e número da portaria de aprovação do modelo. Outros dados também são necessários, como marca ou nome do fabricante, velocidade máxima de registro, código de aprovação de modelo e número de portarias.

Monitoramento

Para fazer a verificação metrológica do equipamento, o proprietário do veículo precisa ir, primeiramente, a uma oficina autorizada pelo fabricante e credenciada pelo Inmetro para que o instrumento seja lacrado. Em seguida, o veículo deve passar por ensaios em um posto, autorizado pelo Inmetro, que analisa se o instrumento atende os requisitos previstos no Regulamento Técnico Metrológico (RTM), aprovado pela Portaria Inmetro nº 201/2004.

A mesma portaria determina os procedimentos das verificações periódicas, de caráter obrigatório, que serão efetuadas a cada dois anos, consistindo em: inspeção geral, para a constatação de permanência das características da verificação inicial e do estado de conservação do instrumento;  verificação da existência e do estado das marcas de selagem, de acordo com o respectivo plano de selagem; observância dos erros máximos admissíveis para o ensaio de erro em função da velocidade. As verificações eventuais serão efetuadas sempre que houver reparo ou reinstalação do instrumento, a pedido do usuário ou quando as autoridades competentes julgarem necessário.

“A verificação tem como principal objetivo assegurar que as medições realizadas por esses instrumentos sejam confiáveis, conforme os requisitos estabelecidas na Resolução Contran nº 92/99”, explica a diretora da Control Tacógrafos, Poliana Godoy. Ela acrescenta que o trabalho feito pelo Inmetro em conjunto com a rede de postos de selagem autorizados no Brasil tem como principal objetivo a diminuição da letalidade do trânsito. “Com o controle realizado pelo cronotacógrafo devidamente aferido e lacrado é possível tornar a relação entre as autoridades de trânsito e os motorista/frotistas altamente colaborativa e voltada para o bem comum, pois a autenticidade das informações contidas nesses equipamentos é reconhecida pelas autoridades durante investigações ou processos”, afirma ela.

A empresa faz a selagem, o ensaio do veículo (validação no rolo), o gerenciamento de certificado para frotistas, a manutenção, o ajuste e a aferição, além da comercialização de tacógrafos, peças de reposição e suprimentos. A Control é distribuidora de serviços da ferramenta VDO no Sudeste, o que possibilita o armazenamento das informações digitalmente por até cinco anos em lugar totalmente seguro. Além disso, esses dados permitem a geração de relatórios para o cliente, como jornada de trabalho do motorista, freada brusca, veículo ligado sem movimentação, detecção de banguela, voltados para a redução de custos e para o aumento da segurança.

Caminhos

A equipe da Entrevias apresentou a situação da Cerama Transportadora, que recebeu autuação referente aos veículos parados. A empresária mostrou-se solidária à situação: “Entendemos que um veículo parado gera um custo que, infelizmente, fica mais evidente em momentos de crise. Somos totalmente solidários, mas, no entendimento do Inmetro, um veículo com a documentação em dia e apto a circular é considerado passível de verificação”, salienta.

Alessandra de Almeida Lamberti, assessora jurídica do Sindicato das Empresas Transportadoras de Cargas do Estado do Espírito Santo (Transcares), analisa que é possível debater a legalidade da situação vivenciada pela Cerama, submetida à prova de que o veículo não está efetivamente em uso. “Tratando-se de equipamento, uma boa solução para esse impasse seria elaborar um inventário de máquina/laudo técnico de operação e manutenção dos veículos. Esse procedimento documentado poderá ser usado como prova de inutilização do equipamento ou do período de não utilização – registrando-se como manutenção e, pelos elementos acima debatidos, como fundamento de declaração de insubsistência da autuação, por ausência de flagrância dessa infração”, explica.

Em Santarém, na região Oeste do Pará, o Ministério Público Federal (MPF) propôs um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que suspende temporariamente a aplicação de multas aos caminhoneiros pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) devido à falta de aferição nos tacógrafos. Os caminhoneiros fizeram um protesto em frente ao MPF cobrando medidas urgentes para a suspensão das multas, pois não há uma empresa que faça o serviço de aferição na região. O município mais próximo é Marabá, no Sudeste do Estado, que fica a 1.300 km de distância da cidade. Para isso, os motoristas precisam pagar altos custos, com despesas de combustível, alimentação e hospedagem.

O TAC foi apresentado como uma solução temporária para suspender a obrigatoriedade da aferição dos tacógrafos, bem como as multas até que uma empresa seja credenciada pelo Inmetro para oferecer o serviço no município.

 

Cinco perguntas sobre o cronotacógrafo

1. O que devo fazer para regularizar meu cronotacógrafo?

O primeiro passo é procurar um Posto de Selagem ou um Posto Autorizado pelo Inmetro para a realização da selagem, que consiste na aposição de mecanismos de proteção ao cronotacógrafo, denominados marcas de selagem, para que determinados elementos sejam mantidos em condição regulamentar de uso. Para a realização da selagem, o usuário deverá pagar uma tarifa no valor de R$ 83,49 diretamente no Posto de Selagem ou de Ensaio, conforme sua conveniência. A lista de postos autorizados está à disposição no sítio:

http://cronotacografo.rbmlq.gov.br/relacao-de-postos/relacao-de-postos

Após a efetivação da selagem, o usuário deverá proceder à realização do ensaio metrológico, em um Posto Autorizado de Cronotacógrafo – PAC – pelo Inmetro, onde será avaliado se o equipamento atende a todas as condições legais exigidas pelo Inmetro. Para tanto, o usuário deverá pagar uma tarifa no valor de até R$ 117,25 ao PAC e uma GRU de R$ 90,09. Posteriormente, o usuário receberá um certificado provisório válido por 30 dias. Caso o pagamento seja comprovado e o ensaio, aprovado, o Inmetro disponibilizará o certificado de verificação metrológica no sítio:

http://cronotacografo.rbmlq.gov.br/certificados/consultar

2. Se o resultado do ensaio metrológico for reprovado, o que devo fazer?

Cada ensaio metrológico será vinculado ao prévio pagamento dos serviços, independentemente de o resultado ter sido considerado “Verificado” ou “Reprovado”. Será reprovado o instrumento de medição que não satisfizer às exigências regulamentares para a verificação. A reprovação tem o efeito legal de notificação, cabendo ao responsável buscar imediato reparo, estando sujeito às penas pelo uso do equipamento em condições irregulares.

3. No custo do ensaio metrológico está inclusa a manutenção do equipamento?

Nesses valores que integram a selagem e o ensaio não estão inclusos os serviços de instalação, manutenção, limpeza ou ajuste do cronotacógrafo, cabendo ao usuário a decisão de contratá-los ou não.

4. Para que serve o cronotacógrafo?

Cronotacógrafo é o instrumento ou o conjunto de instrumentos destinado a indicar e registrar, de forma simultânea, inalterável e instantânea, a velocidade e a distância percorrida pelo veículo, em função do tempo decorrido, assim como os parâmetros relacionados com o condutor do veículo, tais como o tempo de trabalho e os períodos de parada e de direção.

5. Por que a verificação do cronotacógrafo é obrigatória?

A verificação dos cronotacógrafos tem como principal objetivo assegurar que as medições realizadas por esses instrumentos sejam confiáveis, de acordo com os requisitos estabelecidos pelo Inmetro, servindo como importante ferramenta em prol do bom motorista.

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Entrevias. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Entrevias poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.