Instrumento de gestão

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Capa / 01 de Junho de 2015 / 0 Comentários
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Tabela de referência de frete mínimo oferece parâmetro para calcular custos primários da prestação de serviços, podendo ser customizada de acordo com as características do transporte rodoviário de cargas

Carta Magna, que apresenta os princípios fundamentais em um Estado Democrático de Direito, como a cidadania e a dignidade humana, tem sido a justificativa para a não-implementação de um instrumento que visa oferecer melhores condições de trabalho aos transportadores de cargas, principalmente os autônomos. A Constituição Federal de 1988 apresenta que a República do Brasil tem como objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional.

A partir dessa premissa, profissionais do transporte rodoviário de cargas buscam apoio para a implementação de uma tabela referencial de frete mínimo. Esse instrumento é fundamental para se oferecer um norte no cálculo da prestação de serviço em um setor que enfrenta muitos desafios. “A tabela é um sonho dos autônomos, pois será um balizador e meio de educar a cobrança do frete. Estudos de âmbito nacional mostram que 90% dos caminhoneiros desconhecem o real preço da prestação do serviço e revelam ainda que também 90% desse público transporta com o valor técnico abaixo do necessário”, mostra Everaldo de Azevedo Bastos, presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga de São José dos Campos (Sindtac SJC) e diretor da Federação dos Caminhoneiros do Estado de São Paulo (Fetrabens).

Se o cenário revela a falta de subsídios na cobrança do frete, por que essa tabela não é implementada? É inconstitucional na visão do governo federal: “A tabela [obrigatória] não tem apoio constitucional e é impraticável. Estudamos muito, nos dedicamos muito, no sentido de examinar uma série de alternativas. Não há autorização constitucional para uma tabela impositiva”, explica o ministro dos Transportes, Antônio Carlos Rodrigues.

Essa visão é corroborada por muitos empresários, que valorizam a lei de mercado, ou seja, a relação da oferta e da procura como norte da cobrança do frete.

SENSIBILIDADE
Não dá para ignorar essa lei que orienta a economia, mas é fundamental baixar a lente e analisar a questão estrutural do setor. “Quando o mercado está desequilibrado, a tabela é um instrumento de gestão muito importante à medida que contribui para a prestação de serviço igualitária, tornando-se uma referência para a categoria e, consequentemente, dando conhecimento do preço real a todos os agentes. Os contratantes têm muita opção, mas os autônomos sofrem com a restrição de mercado”, avalia o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Setcemg), Sérgio Pedrosa.

O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Márcio Arantes, completa que a restrição enfrentada pelo autônomo se reflete em dificuldades reais. “Escuto deles, todos os dias, que está impossível trabalhar e muitos planejam voltar a ser motoristas de empresas. Observo motoristas cujos caminhões não passam por manutenções, não trocam equipamentos fundamentais por não terem recursos financeiros disponíveis. A cobrança padronizada de um frete mínimo traria um fôlego, seria também uma forma de respeitar e de legitimar a categoria”.

Nesse sentido, existe uma questão essencial em xeque: a segurança desses trabalhadores e da sociedade. A ausência de investimento a partir de uma concorrência desleal faz com que os caminhoneiros trabalhem para garantir o mínimo de sustento. Quem não gosta de atuar com um caminhão seguro? Existe a vontade de não aprimorar o seu principal instrumento de trabalho? “Hoje, trabalhamos para tentar pagar o caminhão. A aplicação de uma tabela impositiva é iniciar um exercício na busca de um preço que se aproxima da realidade. As transportadoras têm esse instrumento e o utilizam na cobrança do frete. Por que não implementar de fato?”, compara Sidney Inácio do Nascimento, que participou do grupo de trabalho para a construção de uma sugestão de tabela.​

MACROESTRATÉGICA
A proposição de uma tabela referencial de frete mínimo foi uma das frentes de trabalho da Mesa de Diálogo do Transporte Rodoviário de Cargas, criada em 25 de fevereiro. O objetivo foi estabelecer um espaço de discussão entre representantes do setor, do Executivo e do Legislativo e de definição de ações em torno do aprimoramento da atividade. Além da tabela de frete, são pautas: a sanção integral, sem vetos, da Lei do Caminhoneiro (Lei 13.103/2015); a isenção de pagamento de pedágio para o eixo suspenso de caminhões vazios; o aumento do valor da estadia de R$ 1,00 para R$ 1,38 por tonelada/hora, calculada sobre a capacidade total de carga do veículo; a responsabilidade do embarcador ou do destinatário de fornecer documento hábil para a comprovação do horário de chegada do caminhão; a tolerância de peso bruto total de 5% e de peso por eixo de 10%; o perdão das multas por excesso de peso expedidas nos últimos dois anos; a responsabilização do embarcador pelos prejuízos decorrentes do excesso de peso e transbordo da carga em excesso; a regulamentação do exame toxicológico de larga janela de detecção; a regulamentação do tempo de direção, parada e descanso dos motoristas profissionais; a regulamentação de Autorização Especial de Trânsito para caminhões boiadeiros, para circulação sem limite de horários; o estabelecimento das condições sanitárias, de segurança e de conforto nos pontos de parada; a isenção de tarifas do cartão-frete que reduzem custos para os caminhoneiros, transferindo o encargo ao responsável pelo pagamento do frete; a responsabilização e multa para o embarcador pelo tempo de espera a que o caminhoneiro for submetido durante a carga e a descarga; a carência de um ano para pagamento das parcelas de financiamento dos programas Procaminhoneiro e Finame, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), aprovada na Câmara e aguardando votação no Senado; e o fórum permanente de diálogo coordenado pelo Ministério dos Transportes (Ver mais em Notas).
O ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, defende que as medidas foram construídas em ambiente de diálogo e respeito. Para ele, são conquistas importantes que marcam uma nova relação entre o governo federal e o setor de transporte de cargas, em especial, os caminhoneiros. Em nota, diz: “O governo federal reitera o cumprimento de todos os compromissos assumidos com o setor, dentre eles, a isenção de pedágio para eixo suspenso de caminhões que trafegam vazios, a renegociação de dívidas dos financiamentos do Procaminhoneiro e do Finame e o perdão das multas por excesso de peso dos últimos dois anos”.

REGULAMENTAÇÃO
No caso da tabela de frete, foi apresentada ao governo uma sugestão construída com a participação de representantes do setor de transporte e de especialistas em finanças, administração de empresas e economia.

Em 24 de abril, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou, no Diário Oficial da União, a Resolução nº 4.681, que regulamentou os procedimentos a serem seguidos na definição da tabela de referência do frete do serviço de transporte rodoviário remunerado de cargas por conta de terceiros. Cabe à Agência a realização de estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes, levando em consideração os custos e os benefícios econômicos transferidos aos usuários pelos investimentos realizados.

A norma define que os estudos que estabelecerão a tabela de referência para cálculo dos custos de frete deverão ser submetidos a audiência pública. Nesse sentido, foi aberta uma consulta pública (Nº 3/2015) com o objetivo de colher contribuições para a edição dessa resolução no que se refere à metodologia e à aplicação dos parâmetros de referência para cálculo dos custos de frete. O prazo de envio será até as 18h do dia 29 de maio, pelo email cp03_2015_suroc@antt.gov.br.

FLEXIBILIDADE
Para Everaldo Bastos, a tabela apresentada contempla o mínimo necessário para a realização do transporte e permite colocar as especificidades da prestação de serviços. “O instrumento apresenta o custo primário. Assim, pode ser adaptado de acordo com a carga, seu peso, o itinerário, o tempo de realização, dentre outras especificidades. Em São Paulo, por exemplo, existe uma tabela que inspirou a atual. Tentaram implementá-la, mas as empresas de transporte alegaram cartel. Na verdade, ela ainda é um instrumento norteador”.

O presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado de São Paulo (Sindicam-SP) e da Fetrabens, Norival de Almeida Silva, ressalta o dinamismo da planilha de frete mímico, permitindo customizar de acordo com as características do transporte. “É flexível, pois possibilita acrescentar as informações e respeita a liberdade de negociação. Por isso, é um instrumento de gestão. Minha expectativa é que os profissionais a utilizem, apesar de não ser impositiva. Assim, teremos ética e coerência na prestação de serviços”.

No que tange à fiscalização do uso da Repúblicatabela, o presidente do Sindicato dos Autônomos de São José dos Pinhais (PR), Plínio Nestor Dias, diz que a aplicação poderá ser monitorada através do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTE), que tem validade jurídica para todos os fins. “Por meio desse sistema, será possível verificar o alinhamento das informações, como o frete contratado e pago, e cruzar dados fiscais.” Ele pontua que somente o uso da planilha não é suficiente para a melhoria do setor. “É preciso implementar diversas medidas, entre elas a previsão de um percentual de atendimento do transporte rodoviário pelos autônomos - uma reserva de mercado”, completa.

CAMINHOS
O deputado federal Celso Maldaner (PMDB-SC), coordenador da Comissão Externa dos Caminhoneiros, da Câmara dos Deputados, elaborou um projeto de lei que prevê a possibilidade de a ANTT produzir, mensalmente, tabela referencial dos fretes praticados no transporte rodoviário por gênero de carga. "Considerando o comportamento médio do frete nos últimos 12 meses – controle que passa a ser sua atribuição –, a agência, constatando flutuação superior a 20% nos preços no último mês apurado, pode arbitrar um mínimo ou um máximo a ser cobrado, condizente com uma política prudente de ganhos em longo prazo para o setor e para os mercados de consumo e de produção", explica o deputado.

A proposta tem por finalidade dar ao poder regulador condições de intervir, de forma excepcional, no mercado de frete rodoviário de cargas, evitando flutuações exacerbadas nos preços, que podem comprometer tanto a saúde financeira do transportador como a de quem contrata a carga. "Julgamos que convém atribuir à ANTT o poder de fixar limites para os fretes, por um período de até 120 dias, a fim de garantir maior estabilidade e previsibilidade em operações de transporte, sem, no entanto, desnaturar o espírito de livre concorrência", detalha Maldaner.

Segundo o parlamentar, esse projeto de lei busca equilibrar a expectativa do governo - que avalia a tabela como inconstitucional - e dos transportadores, principalmente os autônomos. Ele conta que, atualmente, estão sendo recolhidas assinaturas de líderes e se aguarda a análise da matéria pela Comissão de Viação e Transportes da Câmara.

O deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP) lidera o grupo visando à aprovação da retirada da proibição do tabelamento.

O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) defende que o preço mínimo do frete cubra ao menos os custos dos transportadores. “Não é possível trabalhar com os preços atuais. O diesel aumentou muito, o pedágio sempre foi muito caro e ainda há a carga de impostos”, avalia o parlamentar. Ele enfatiza a importância da aplicabilidade no atual contexto: “Com a diminuição da produção industrial, em função do momento econômico, consequentemente, há a redução da demanda por fretes. Por isso, o estabelecimento de uma padronização na cobrança da prestação do serviço regularizaria a disparidade, podendo ser atualizada permanentemente a planilha”.

PARA A CONTA FECHAR
Estudo da NTC&Logística feito, em janeiro deste ano, em mais de 250 empresas do setor de transporte rodoviário de cargas, revela que existe uma diferença de 14,11% entre os fretes praticados por essas organizações e os custos efetivos da atividade. Responsável pelo trabalho, o Departamento
de Custos Operacionais, Estudos Técnicos e Econômicos (Decope) da NTC&Logística avalia que isso tem origem, principalmente, na inflação dos insumos que compõem os custos e, depois, na defasagem de frete que veio se acumulando nos últimos anos.

Para se chegar a essa diferença, consideraram-se as respostas dos empresários e o Índice Nacional de Custos do Transporte Rodoviário de Cargas (INCT), em que são levadas em conta despesas com manutenção do veículo, pneus, créditos de impostos, combustível, mão de obra e outros itens que, em muitos casos, o empresário não inclui no seu preço. “É importante ressaltar que, quando falamos na defasagem de 14,11%, estamos levando em conta apenas os custos, não o lucro que a transportadora deveria ter, ou seja, o número de reajuste do frete teria que ser ainda maior”, explica o diretor técnico da NTC&Logística e coordenador do Decope, Neuto Gonçalves dos Reis.

A defasagem vem sobretudo do desconhecimento dos custos. Muitos transportadores acham que os gastos se resumem àqueles relacionados ao caminhão e aos pedágios. Mas existem muitos outros encargos difíceis de enxergar, como taxas, disponibilidade de recursos para cobrir exigências legais e necessidade de investimentos para recomposição de salários, troca da frota etc.

Para o consultor Fernando Giúdice, outro fator que contribui para a defasagem é o modo como é feita a negociação. Ele ressalta que o cálculo das variações de custos operacionais tem seu foco nos componentes mais sensíveis, como o aumento dos preços dos combustíveis, dos pneus, dos valores dos veículos e dos encargos com mão de obra. Essas variações são visíveis aos olhos dos clientes e, por isso, são de fácil comprovação. “Os custos diretos das atividades-
fim [movimentação da mercadoria da origem ao destino] montam a cifra de 54% do custo total e, por agregarem valor ao cliente, são mais facilmente negociáveis. As demais despesas de infraestrutura, tais como comerciais, administrativas, financeiras e referentes a terminais de cargas, representam
46% dos custos totais e ficam reduzidas a uma negociação fluida, controvertida e de difícil acordo”. Giúdice alerta que, por consequência, os repasses dos aumentos ficam sempre aquém dos valores
reais. Dessa forma, somente custos diretos do transporte são assumidos pelo cliente, criando-se uma defasagem cumulativa de perdas ao longo do tempo.

Outro ponto reforçado por Giúdice é a existência de concorrência predatória, com a oferta de serviços sub-avaliados. "O mercado se autorregula, e isso, muitas vezes, acaba gerando uma padronização de preços que impede que os reajustes sejam
devidamente aplicados”. 

REFLEXO PARA TODOS
A defasagem traz sérios impactos para o setor e para a economia de uma maneira geral, uma vez que, a longo prazo, os prejuízos se refletem sobre os clientes e consumidores dos produtos transportados.
“Uma empresa que opera na faixa de prejuízo por longo período de tempo sente a falta de capital de giro próprio. A um custo exorbitante, vai buscar nos bancos recursos financeiros para manter o processo operacional e se afunda numa espiral suicida: vê o seu patrimônio dilapidado, não consegue
repor a sua frota já desgastada, os serviços perdem qualidade”, relata Giúdice.

Outras consequências são a redução dos investimentos, a falta de manutenção de caminhões e a impossibilidade de melhor remuneração aos motoristas. “O impacto se estende sobre toda a estrutura de transporte. Sem um custo que equilibre despesas e receitas, vai faltar capital para ampliar armazéns e depósitos, e oferecer outros diferenciais. A princípio, o não-reajuste do frete parece beneficiar o contratante, que paga menos pelo serviço. Mas, a longo prazo, o prejudicado é ele, que vai contar com uma frota velha, profissionais sem qualificação e um serviço pior".

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