Instrumento de gestão e justiça

Implementação da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, prevista no Projeto de Lei 528/2015, é fundamental para trazer equidade ao mercado e melhores condições de trabalho aos profissionais

Capa / 17 de Maio de 2017 / 0 Comentários
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Especialistas em gestão organizacional alertam: empresários não devem cair na tentação de resolver os problemas da transportadora abaixando o valor do frete ou cedendo demais às exigências de desconto de seus clientes. Essa prática de mercado pode anunciar o fim da empresa, pois o custo real da prestação de serviço poderá ser deficitário – ou seja, não se paga – e precariza o setor como um todo à medida que, para transportar a qualquer preço, compromete a qualidade e a segurança dos profissionais do transporte e da sociedade.

Uma das soluções para esse cenário passa pela implementação da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, prevista no Projeto de Lei 528/2015, aprovado em 7 de dezembro, por unanimidade, pelos deputados federais que compõem a Comissão de Viação e Transporte na Câmara Federal. O texto prevê que, até a primeira tabela do Ministério dos Transportes ser publicada, os valores mínimos para cargas geral, a granel e neogranel serão de R$ 0,70 por quilômetro rodado para cada eixo carregado. Já para as cargas frigorificadas e perigosas, R$ 0,90 por quilômetro rodado para cada eixo carregado.

Já nos fretes curtos, ou seja, com distâncias inferiores a 800 km, o projeto determina que os valores mínimos ficam acrescidos de pelo menos 15% e ainda estabelece que o governo federal deverá reservar 40% dos recursos aplicados em fretes rodoviários para as cooperativas do setor. Por fim, o projeto limita em 5% a remuneração da Empresa de Transporte de Carga (ETC) quando o frete for realizado por Transportador Autônomo de Carga (TAC).

Próximo passo

“O projeto aguarda votação na Comissão de Constituição Justiça e Cidadania da Câmara, na qual o relatório do deputado federal Valtenir Pereira (PMDB/MT) é pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação. Por tramitar de forma conclusiva, se for aprovado, seguirá diretamente para o Senado Federal, sem necessidade de se votar pelo Plenário da Câmara, o que poderia levar meses e até anos”, explica o deputado federal Covatti Filho (PP/RS). Ele é vice-presidente da Frente Parlamentar Mista de Logística de Transporte e Armazenagem e reforça que é unânime nesse grupo que o projeto é necessário para garantir segurança financeira e preço justo. “Não visualizo outra forma de praticar um regulamento capaz de garantir condições justas e necessárias para preservar a rentabilidade e a produtividade do setor de transporte rodoviário de cargas”, afirma Covatti.

O relatório do deputado federal Valtenir Pereira, apresentado em 18 de maio, diz que, “no que toca à juridicidade, observa-se que a matéria em nenhum momento atropela os princípios gerais do direito que informam o sistema jurídico pátrio”. Ele menciona que, no projeto principal, a remissão das penalidades ao desrespeito aos valores estabelecidos em regulamento (Art. 5º, § 2º) lhe pareceu equivocada, pois se trata de mera remissão ao poder regulamentar, que é da inteira competência do Poder Executivo. “Porém, depois de ter sido afastada, por emenda, essa injuridicidade do projeto principal, pode-se dizer que ele e seu apenso são absolutamente jurídicos. Por fim, é oportuno registrar que entre o dono da carga e o caminhoneiro há o agenciador de cargas, daí a importância da aprovação do PL 528/15 e de seu apenso para assim se garantir o custo da segurança viária”, pontua o relatório.

Somando forças

A matéria 528/2015 foi apensada pelo Projeto de Lei 1.316, também de 2015. A primeira é de autoria do deputado federal Assis do Couto (PDT/PR), e o outro, do deputado federal Celso Maldaner (PMDB/SC). Ambos visam estabelecer valores mínimos de frete a serem cobrados pelo serviço de transporte rodoviário de cargas. Pelo disposto no primeiro projeto de lei, a competência para a regulamentação ficaria atribuída ao Ministério dos Transportes com base em proposta formulada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ao passo que o segundo dispõe essa competência restrita à ANTT.

Para o deputado federal Covatti Filho, essa divergência vem para somar, para aprofundar o debate e para garantir que será feita a melhor escolha. “Levo comigo a convicção de que, quanto maior a capacidade de arregimentar apoio político, quanto maior a pressão política que se possa produzir, mais bem encaminhadas ficam as propostas de uma categoria e mais rapidamente circulam as propostas dela. Nesse caso, um projeto complementa o outro. É mais pressão e mais mobilização para que se crie a política de frete mínimo”, salientou.

Em entrevista exclusiva à Entrevias em janeiro deste ano, o deputado federal Celso Maldaner também afirmou que a junção dos dois projetos promoveu força e visibilidade para o tema: “Prova disso é que, após muita articulação dos parlamentares – entre os quais me incluo – e dos representantes do movimento dos transportadores, a Comissão de Viação e Transporte na Câmara dos Deputados aprovou no dia 7 de dezembro de 2016 o PL 528/2015. Os dois projetos em questão – PLs 582 e 1.316 – foram construídos e costurados juntos no âmbito de Comissão Externa dos Caminhoneiros da Câmara dos Deputados – coordenada por mim durante todo o ano de 2015 e o início de 2016. O estabelecimento desse valor impositivo, que garanta a cobertura dos custos de operação e a sobrevivência do setor, é uma das principais reivindicações do movimento dos transportadores, o qual apoio integralmente. Nossa intenção com esses textos legislativos é o mesmo: beneficiar o segmento do transporte ferroviário e, assim, reaquecer e melhorar a economia brasileira de forma bastante abrangente.”

O PL 1316/2015 inclui entre as competências da ANTT elaborar, mensalmente, tabela referencial dos fretes praticados no transporte rodoviário de cargas por gênero. De acordo com o texto, em caráter excepcional, a agência poderá fixar, uma vez a cada 12 meses e pelo prazo de até 120 dias, preço mínimo ou máximo, desde que apurada diferença superior a 20% entre o frete médio praticado no mês anterior e o médio dos últimos 12 meses. A proposta tem por finalidade dar ao poder regulador condições de intervir de forma excepcional no mercado de frete rodoviário de cargas, de sorte a evitar flutuações exacerbadas nos preços, que podem comprometer tanto a saúde financeira do transportador como a de quem contrata a carga.

Já o PL 528/2015 determina que o Ministério dos Transportes regulamentará, com base em proposta formulada pela ANTT, nos meses de janeiro e julho, os valores mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades do tipo de carga. O projeto prevê ainda que o processo de definição dos preços mínimos deverá contar com a participação dos sindicatos de empresas de transportes e de transportadores autônomos de cargas, bem como de representantes das cooperativas do setor. “Os preços mínimos serão fixados levando-se em conta, prioritariamente, a oscilação e a importância do valor do óleo diesel e dos pedágios na composição dos custos do frete”, prevê o artigo 7º do projeto.

A equipe de reportagem da Entrevias contatou a ANTT. Em resposta, a agência disse “que não se manifesta sobre matérias que ainda estão em tramitação no Congresso Nacional por entender que é responsabilidade do Legislativo fomentar esse tipo de discussão”.

Contudo, por meio de nota, a agência ressaltou que “a planilha de simulação de custos da operação de transporte de cargas, publicada em seu sítio eletrônico, tem como base a Resolução ANTT 4.810/2015, que estabelece metodologia e publica parâmetros de referência para o cálculo dos custos de frete do serviço de transporte rodoviário remunerado de cargas por conta de terceiros. A resolução supracitada não tem como escopo a definição de todos os custos e parâmetros aplicáveis a toda e qualquer variação no transporte rodoviário remunerado de cargas, uma vez que, em razão da região do país, dos tipos de veículo, de pavimento, da relação contratual, do planejamento logístico, entre outros, os custos podem alterar significativamente. Buscou-se, com a edição da resolução, apenas contribuir para o melhor entendimento dos custos e dos parâmetros de referência no setor de transporte rodoviário de cargas. O fato de algum parâmetro não constar da resolução não significa que ele não é devido ou ainda que a Resolução 4.810/15 tenha eximido ou desconsiderado obrigações previstas em outros regulamentos.”

Segundo o deputado federal Covatti Filho, o Projeto de Lei 528 tem resistência em diversos órgãos do governo federal e até mesmo no setor produtivo, mas ele é necessário. “Sabemos das dificuldades e das resistências e procuramos ouvir todos os interessados. Acreditamos que encontramos nesse projeto uma solução possível para um problema que se agrava a cada ano. Assim, entendemos que a proposta de frete mínimo dará um fôlego para o setor, que é de vital importância para a economia do país”, ressaltou.

Demanda antiga

A implementação de frete mínimo é pleiteada pelo setor do transporte de cargas desde 2015. Esse instrumento é fundamental para oferecer um norte no cálculo da prestação de serviço em um segmento que enfrenta muitos desafios e para trazer equidade ao mercado. “O pleito nasce em uma paralisação na cidade de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, há dois anos. Observamos todos os dias que os atravessadores fazem leilões devido à grande oferta de frete, e o transportador sai muito prejudicado. É importante destacar que a tabela não estabelece margem de lucro, somente impede o pagamento do serviço abaixo de seu real valor. O objetivo é manter os custos operacionais, e essa será a única forma de sobrevivermos”, enfatiza Gilson Baitaca, que representa os transportadores de grãos de Mato Grosso.

O presidente da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), Luiz Carlos Neves, corrobora que a política de frete mínimo é essencial para a realização das atividades no setor, principalmente para o caminhoneiro autônomo. “Concordo com a implementação da tabela porque os sindicatos lutam para a prática de um preço justo e para oferecer melhores condições de vida aos profissionais do transporte”, disse.

A proposição de uma tabela referencial de frete mínimo foi uma das frentes de trabalho da Mesa de Diálogo do Transporte Rodoviário de Cargas, criada em 25 de fevereiro. O objetivo foi estabelecer um espaço de discussão entre representantes do setor, do Executivo e do Legislativo e de definições de ações em torno do aprimoramento da atividade.

Para tentar fechar a conta

Pesquisa nacional realizada em janeiro de 2017 pela NTC&Logística em colaboração com a ANTT, envolvendo 1.785 empresas, revela uma significativa queda no faturamento do setor. Em 84% das empresas pesquisadas, o faturamento de 2016 caiu em média 19,13%. Entre as empreas de lotação, 87% delas apresentaram queda no faturamento.

A pesquisa aponta alguns fatores que contribuíram para tal situação. Em primeiro lugar, estão os aumentos de custos, especialmente as majorações nos últimos 12 meses de salários, que chegaram a 8,72%, combustível (4,25%), despesas administrativas (9,20%), manutenção (6,58%), veículo (5,61%) e lavagem (8,40%).

 Cite-se em segundo lugar a redução drástica do volume de carga, provocada pela grande recessão dos últimos dois anos. A diminuição do Índice da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) do movimento de veículos pesados pelas praças de pedágio, de 14,81% em relação a 2013 e de 6,72% apenas em 2016, dá bem uma ideia dos reflexos da recessão sobre o transporte rodoviário de cargas.

Além disso, o setor ainda enfrenta o comprometimento de seu faturamento com o aumento cada vez maior de fretes atrasados (14,90% segundo a pesquisa).

“Essa situação é insustentável, sobretudo levando-se em consideração as margens estreitas de lucro praticadas pelas empresas do setor quando a economia está em expansão e que acabaram comprimidas pela recessão. O ano de 2017 promete ainda modesta recuperação na economia, muito embora se fale em uma safra recorde, cabendo ao empresário de transporte preparar-se para o crescimento que certamente virá nos anos seguintes”, avalia relatório da NTC.

Com relação ao frete rodoviário praticado, a pesquisa aponta uma defasagem que já atingiu 24,83% na carga lotação e 11,77% na carga fracionada. Essas defasagens foram calculadas comparando-se os valores das planilhas referenciais de custos da NTC&Logística, que não incluem impostos e margem de lucro, com os fretes médios praticados pelas empresas pesquisadas.

O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Marcio Arantes, afirma: “Somente com a implementação da tabela teremos equilíbrio no setor. É preciso desmitificar que os preços vão honerar porque, na realidade, tem muita empresa ganhando em cima do transportador. Também acredito que diminuirá a tendência de jogar o preço para o frete retorno.”

O vice-presidente da Federação das Empresas do Transporte de Carga de Minas Gerais (Fetcemg), Gladstone Viana Diniz Lobato, ressalta ainda que, para a efetividade da medida, é preciso fiscalizar seu cumprimento. “É fundamental que se estabeleça um fluxo de monitoramento da política de frete mínimo para, assim, ser possível acompanhar sua efetividade e sua eficiência”, afirmou.

Na ponta do lápis

Os transportadores conhecem seu negócio e sabem como calcular o valor da prestação de serviço. Com o objetivo de aprimorar a gestão, a NTC&Logística tem o “Manual de Cálculo de Custos e Formação de Preços do Transporte Rodoviário de Cargas”. A publicação visa oferecer instrumentos que possibilitem às empresas uma apuração de custos tecnicamente correta, trazendo-lhe subsídios para enfrentar os desafios impostos pelo mercado.

O primeiro capítulo trata de custos operacionais, e, para calculá-los, é preciso classificar os tipos de cargas transportadas, pois cada uma exige serviços e equipamentos específicos. A seção seguinte fala da composição da tarifa a partir de cinco componentes que buscam ressarcir, de forma equilibrada, o transportador dos custos realizados com a prestação do serviço: Taxa de Despacho (para cargas fracionadas); Frete-Peso; Frete-Valor; Gerenciamento de Risco e outras taxas. No total, são nove capítulos que destrincham a composição dos custos, e o manual também conta com exemplos e planilhas que buscam orientar o transportador.

A publicação está disponível no endereço eletrônico http://www.portalntc.org.br/media/images/publicacoes/manual-de-calculo-e-formacao-de-precos-rodoviario-2014/index.html#/7/zoomed.

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