O ano que entrou para a história

2016 será marcado pela retração da atividade do transporte rodoviário de cargas devido à crise nos ambientes político e econômico. Expectativa para novo ano é de início de recuperação.

Capa / 17 de Novembro de 2016 / 0 Comentários
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Um ano adverso, que demandou capacidade de resiliência de praticamente todos os setores da sociedade. Para a atividade de transporte rodoviário de cargas não foi diferente: sua conexão direta com o desenvolvimento do país fez com que os reflexos das crises econômica e política fossem sentidos de forma impactante. Segundo resultados da Sondagem Expectativas Econômicas do Transportador 2016, a maioria das empresas (60,1%) teve diminuição de receita bruta neste ano, e 58,8% precisaram reduzir o número total de viagens. Para 74,6%, houve aumento do custo operacional. A pesquisa é realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e está em sua oitava edição.

“A incerteza na área política contribuiu para a instabilidade do grau de confiança dos empresários quanto aos investimentos. Consequentemente, houve retração econômica, e o impacto negativo no setor do transporte é evidente, pois nossa atividade é diretamente ligada à produção de bens. Contudo, avalio que somos uma categoria forte, altamente profissionalizada e, por isso, conseguimos minimizar mais consequências”, analisa o presidente do Sindicato dos Cegonheiros do Estado de Minas Gerais (Sintrauto), Carlos Roesel.

Sua visão é corroborada pela percepção dos entrevistados da pesquisa. Para 90,7% do público nesse levantamento, a crise política afetou negativamente o mercado de fretes e de viagens no Brasil. O agravamento da questão política no início de 2016 acelerou a crise econômica. Dessa maneira, os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) e da taxa de juros foram piores do que o antecipado pelo setor. Na sondagem de 2015, 49,9% dos entrevistados previam a queda do PIB em 2016. Todavia, a percepção de recessão é destacada por 64,5% dos participantes da edição de 2016. No tangente à taxa de juros, 66,4% acreditavam que ela aumentaria, mas a percepção de incremento foi destacada por 70,0% dos entrevistados na sondagem atual.

 

Baixa produtividade

“A expectativa dos transportadores entrevistados em 2015 era que houvesse manutenção dos já baixos níveis da receita bruta (44,2%), do número de viagens (50,2%) e da quantidade de cargas e passageiros (44,3%) em 2016. No entanto, os resultados da sondagem deste ano revelam que essas expectativas foram frustradas e que o setor registrou redução em todas essas variáveis. Assim, 60,1% das empresas de transporte confirmaram queda da receita bruta neste ano, e 58,8% destacaram a diminuição do número total de viagens. Das transportadoras de cargas, 49,8% tiveram reduziram o volume de bens transportados. Já entre os transportadores de passageiros, 68,5% registraram diminuição no número de pessoas deslocadas”, ressalta o documento deste ano.

A pesquisa mostrou que 57,5% dos empresários classificaram a demanda por serviços de transporte de 2016 como fraca quando comparada com a dos anos anteriores. Nesse sentido, 63,3% dos entrevistados afirmaram ter eliminado até 20 equipamentos, e 4,0% excluíram cem veículos ou mais de suas operações. A maioria das empresas (63,0%) os vendeu ou os disponibilizou para venda, 18,5% mantiveram os veículos parados nos pátios, e 2,7% delas os devolveram.

De acordo com a sondagem, “o cenário é bastante preocupante, pois evidencia que a crise afetou o principal ativo das empresas. Além de operarem com capacidade ociosa e de cancelarem seus planos de expansão e de renovação de frota, situação que afetou negativamente a indústria automotiva, os transportadores tiveram de desmobilizar ativos para fazer caixa. Isso foi necessário, pois, dada a dificuldade de geração de receita, as empresas tiveram seu fluxo de caixa comprometido”.

Assim, a fraca demanda e a manutenção da oferta fizeram com que, mesmo diante do aumento do custo operacional das empresas (74,6%) – resultante da elevação do preço dos principais insumos –, o valor do frete e/ou das passagens praticado em 2016 ficasse estável para 43,1% das empresas e fosse reduzido em 25,2% delas. Como resultado desse cenário, houve queda de produtividade em 43,0% das transportadoras que participaram da pesquisa deste ano.

O presidente da Associação Particular de Ajuda ao Colega (Apac) Sul, Márcio Arantes, avalia que o transporte neste ano foi bem abaixo das expectativas. “Sentimos uma retração na casa dos 30% e vimos os valores de nossos caminhões e carretas despencarem. Não foi somente a redução do trabalho que impactou negativamente o transporte. Os insumos não pararam de aumentar: peças, pneus e mão de obra cada dia mais caros. Acrescentamos a isso fretes abaixo do cobrado no mercado. Apesar disso, muitos tentaram ficar de pé, o que é quase suicídio”, afirma.

 Desemprego

Sem demanda, transportadores demitiram neste ano mais do que planejaram. A expectativa revelada na sondagem do ano passado era a de manutenção do nível de contratação formal de empregados em 2016 (52,8%). Porém, como consequência da crise econômica, 58,1% das empresas tiveram de reduzir o número de funcionários nos últimos seis meses. Entre dezembro de 2015 e setembro de 2016, o setor transportador desempregou 52.444 pessoas, segundo dados do Ministério do Trabalho. Por isso, não houve dificuldade de contratação de profissional qualificado (54,6%) para os 52% de empresas que realizaram processos seletivos no último semestre.

“Vale destacar que a recuperação do emprego é mais lenta do que a da receita em todos os setores da economia após uma crise como a atual. No caso do transporte, a queda da atividade e, consequentemente, da realização de fretes e de viagens, além de ocasionar demissões no segmento, pode ter feito com que os funcionários mantidos ficassem ociosos em parte do tempo. Assim, com o aumento da demanda, as empresas tendem a ampliar a carga horária desses funcionários, inclusive com a realização de horas extras no primeiro momento. As contratações começam quando não é mais possível fazer o serviço com os empregados disponíveis. Adicionalmente, o elevado custo de contratação e de demissão inibe novas admissões em períodos de maior incerteza”, diz o estudo.

O presidente da NTC&Logística, José Hélio Fernandes, ressalta que este ano foi um dos mais difíceis para o setor de transporte rodoviário de cargas. “De maneira geral, 2016 foi um período perdido para a economia. Tivemos muitos retrocessos e, entre os principais resultados desse cenário ruim, podemos mencionar a diminuição da carga transportada e o aumento da frota ociosa”, salienta.


Infraestrutura

Paralelamente, há o desafio de atuar em uma infraestrutura precária, que coloca em risco a vida de profissionais do setor e aumenta consideravelmente os custos operacionais – à medida que cresce a demanda por manutenções e troca de insumos.

Dos entrevistados na sondagem, 60,2% perceberam uma queda no volume de recursos públicos aplicados nas rodovias em 2016 comparativamente a 2015 e a manutenção dos aportes privados (42,6%). As empresas de transporte de cargas e passageiros projetam continuidade desse cenário também para 2017. O fato é preocupante, pois 52,8% dos entrevistados destacaram que a condição das rodovias públicas piorou em 2016. Essa percepção é confirmada pela Pesquisa CNT de Rodovias deste ano, e as atuais inadequações das rodovias públicas elevam os custos operacionais, em média, em 28,7%.

De acordo com o presidente da NTC, esse é um dos aspectos mais carentes de melhorias no país. “Conforme foi observado na pesquisa CNT de Rodovias, em relação aos anos anteriores, praticamente não houve mudanças significativas, e o que estava ruim se manteve da mesma maneira. Para que essa situação pudesse ser paulatinamente solucionada, seria preciso destinar de 3% a 4% do PIB nesse processo, porém o que temos percebido é que o investimento não chega a 1%. Sendo assim, a tendência em relação à infraestrutura rodoviária é que o cenário permaneça como está ou até fique pior”.

E o presidente da Apac Sul corrobora: “Não tem a mínima condição de continuar como está. Hoje não temos ponto de parada com o mínimo de infraestrutura, como banho, restaurante, sanitários, estacionamento com mais segurança. Além do mais, é tudo muito caro. Nestes dias, foi divulgada uma rede de postos que só libera água gelada ao motorista caso ele abasteça, sendo que isso era cortesia antes. Enfim, vira moeda de troca. Isso é revoltante”, contesta.

 Insegurança

Se não bastassem os desafios estruturais e conjunturais nos âmbitos político e econômico, a insegurança é transversal no setor de transportes. Neste ano, a Entrevias produziu diversas reportagens sobre assaltos – cada vez mais violentos e profissionalizados – de cargas e de motoristas.

Na percepção dos transportadores, para 48,5% das empresas houve aumento da quantidade de roubos. A situação evidencia a falta de segurança nas rodovias do país, o que compromete não apenas a eficiência da produção do setor, mas também a vida dos trabalhadores do transporte e de seus passageiros.

“Nada é feito para melhorar, e, quando os caminhoneiros autônomos se organizam para diminuir o impacto dos roubos, o governo tenta, de todas as formas, inibir a ação. Reunidos em associações de proteção, eles encontram um meio de não sofrer diretamente os impactos do roubo dos veículos, pois instituíram o auxílio mútuo para diluir entre os companheiros o prejuízo sofrido. Uma vez que o Estado não proporciona uma segurança completa, seus governados não podem ser proibidos de defender seu patrimônio”, critica a assessora jurídica da Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores (Fenacat), Virginia Laira.

A questão da segurança é um dos fatores que mais preocupam o presidente da NTC, pois a situação é crítica em todo o país. “Temos estabelecido um diálogo com as autoridades para solucionar esse problema. No fim de novembro, participei, junto com uma comitiva, de uma audiência especial com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, empresários ligados ao combate de contrabando e pirataria, membros da Secretaria de Segurança Pública, deputados e representantes de polícias, para reivindicar ações governamentais e um planejamento público incisivo com o intuito de combater o roubo de cargas. Esse cenário tem colocado diversas regiões do país em alerta e até mesmo ameaçado alguns locais de desabastecimento, como é o caso do Estado do Rio de Janeiro, um dos mais afetados pela situação e onde temos visto uma situação impraticável para o setor”.

 Outras políticas públicas

As políticas públicas de incentivo à atividade econômica também não foram bem-avaliadas: 63,7% das empresas de transporte entrevistadas nesta sondagem não adquiriram veículos em 2016, e 44,6% não pretendem adquiri-los em 2017. Além do fator crise, a dificuldade de acesso ao crédito e o aumento do custo do capital são fatores que inibem a realização de investimentos pelo setor.

A redução do volume de contratação de financiamentos atingiu inclusive as operações feitas com o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo dados da instituição, os desembolsos das operações de crédito para o segmento de transporte somaram R$ 6,35 bilhões nos primeiros seis meses de 2016, ou seja, foram 64,7% menores que os registrados no mesmo período de 2014. Em 2015, foram desembolsados R$ 13,30 bilhões nos primeiros seis meses, isto é, mais do que o dobro do realizado em 2016.

“Se não houver políticas de incentivos ao caminhoneiro, teremos um colapso. Hoje, está muito distante a troca de um veículo usado, de 20 anos por exemplo, por um novo. Estamos falando de um carro de 1997, digamos um cavalo Scania 113, sendo  trocado por um 0 km  praticamente. Trata-se de somente 20% do valor de um 0 km. Fica impossível realizar esse sonho. Precisamos de uma política de renovação e de frete mínimo”, analisa o presidente da Apac Sul.

Ele completa afirmando que não poderia deixar pessoas que não são transportadores terem acesso a um programa de renovação. Segundo o representante da categoria, “há pessoas que nunca atuaram no ramo que compram caminhão 0 km porque possuem bens e renda de outros negócios e saem por aí fazendo barbaridades. São necessárias regras mais rígidas”.

O aspecto ambiental da renovação da frota é enfatizado pelo gerente-técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), Renato Campestrini: “Mais uma vez, passamos um ano sem que a proposta tenha caminhado, resultando em benefícios para a comunidade, já que veículos antigos são mais poluentes. A idade média da frota brasileira é muito alta, a de caminhões com 30 anos ou mais ultrapassa os 250 mil veículos”. Ele reforça dizendo que a mobilidade urbana precisa ser sustentável por meio de novas formas de se realizarem os deslocamentos nos centros urbanos.

Perspectiva

Pensar o transporte de cargas como uma das prioridades de mobilidade urbana, proporcionar políticas públicas para que o setor se desenvolva de modo sustentável, viabilizar a renovação da frota e, cada vez mais, sua profissionalização são desafios impostos para os governantes.

“De maneira geral, a situação não está boa em nenhum aspecto. A questão política ainda preocupa e precisa ser resolvida urgentemente. Estamos em um compasso de espera, no aguardo para que algumas mudanças sejam implementadas. Nossas perspectivas para 2017, principalmente tendo-se em vista os dados mais recentes de queda de 4% do PIB de janeiro a setembro, são de estagnação. Caso não tenhamos nenhuma queda na economia, o saldo já será positivo, pois estamos diante de uma situação muito difícil para o país. Acredito que o início do próximo ano será de grandes desafios e de definições para que o Brasil possa se recuperar economicamente”, avalia o presidente da NTC.

 ”O crescimento para 2017 é o que mais queremos, mas precisamos ter definições políticas em primeiro lugar para, assim, voltarmos a caminhar rumo ao crescimento. ´Devemos ter muita cautela, mas a roda não pode parar. Ao fazermos novos investimentos e projetos, é necessário que tenhamos muita perícia, cautela e dedicação. Vamos vencer!”, ressalta o presidente da Apac Sul.

A assessora jurídica da Fenacat também destaca a instabilidade política. “As expectativas ainda são de espera até que este governo possa garantir ao mercado externo segurança. Não creio em crescimento. Estamos no olho do furacão. Ou enfrentamos esta crise limpando toda a podridão que estamos conhecendo ou passaremos por um atestado de falta de vergonha na cara”, conclui.

A demora para que a questão política tenha uma solução e o baixo desempenho econômico brasileiro em 2016 fizeram com que os transportadores modificassem sua percepção sobre a efetiva retomada do crescimento. Agora, 49,3% acreditam que esse somente será percebido em 2018. 

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