Reciclagem de veículos: bom negócio para todos

Primeiro centro que terá essa atividade no Brasil foi idealizado pela Sada e conta com a parceria do Sintrauto. O espaço escolhido para abrigar a iniciativa é a cidade de Igarapé, na região metropolitana.

Capa / 15 de Março de 2017 / 0 Comentários
A- A A+

A iniciativa que nasceu do esforço praticamente individual do Grupo Sada começa a ser implementada: o Centro de Reciclagem de Veículos (CRV) recebe seus equipamentos, e sua montagem ocorrerá em 180 dias. O centro tem como objetivo criar um ecossistema produtivo e pioneiro no Brasil, que prevê retorno econômico e socioambiental por meio do incentivo à renovação da frota e, consequentemente, do aumento de vendas, da geração de emprego e renda e da redução da emissão de poluentes.

O CRV fica na Zona de Empreendimentos Sustentáveis (ZES) de Igarapé, que abriga o pátio logístico da Sada e de outras empresas do setor de transporte. Com o novo projeto, estarão reunidas em um único ambiente as atividades de processamento de veículos, de reaproveitamento de equipamentos e insumos deles, balança de até 30 m, meios de aferição volumétrica e instituições como a Receita Federal, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) para a fiscalização do CRV e a emissão dos créditos ao consumidor.

“Infelizmente, em nível nacional, estão paradas as parcerias. Mas o Estado de Minas Gerais, por meio do governador Fernando Pimentel (PT), elaborou um projeto de lei que discutimos com vários órgãos e que, parece, entrará em votação em breve”, conta o prefeito de Betim, Vittorio Medioli (PHS), que também é presidente do grupo Sada, instituição responsável pelo projeto e pelos estudos técnicos.

Pioneiro no país

Ele ressalta que está sendo montado um centro moderno, o único no Brasil, e um dos diferenciais da proposta é a inteligência logística. O projeto colocará à disposição do plano de renovação o potencial de operações do transporte de automóveis para recolher em todo o Brasil os veículos antigos e trazê-los para o centro, onde serão destruídos, e sua matéria-prima residual, destinada a fundições de aço, alumínio, cobre, vidro e plástico.

No CRV, a Sada e um pool de empresas de logística em São Bernardo do Campo (SP) se ofereceram para, além de trazerem os veículos obsoletos com mais de 25 anos, destiná-los respeitando as premissas ambientais e possibilitando aos proprietários um desconto na compra de um novo. As montadoras disponibilizarão, por meio de sua rede de revendas, o bônus de desconto na venda de veículo novo até 1,4 de cilindrada ao receberem um acima de 1,4 de cilindrada.

“Nós, do transporte, temos interesse em retornar a carga aos níveis de 2013. Discutimos com as entidades de classe que poderíamos dar um valor de R$ 160 por carro quando eles retornassem a Betim ou a  Igarapé, já que existe um fluxo reverso, e o frete de volta vazio é considerado no total. De qualquer forma, remuneraria para complementar a receita sem tomar tempo”, explica Vittorio.

Nesse sentido, o mercado do transporte se beneficiará, visto que, a cada carro recolhido, corresponderá um novo para transportar com frete nacional. Segundo o idealizador da iniciativa, a expectativa é aumentar a venda em 30 mil ou mais unidades no primeiro ano em Minas.

A proposta é, mensalmente, creditar o montante dos descontos concedidos aos consumidores na guia de recolhimento de tributos federais. O valor arrecadado garante à União a manutenção dos tributos, pois os veículos novos integram as contribuições do nível atual. Os Estados também serão beneficiados por acréscimos de arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O projeto ainda propõe, com o apoio dos cegonheiros de Minas e São Paulo, a cobrança de um frete único nacional para retornar, sem desvio de rota, de qualquer localidade do Brasil até o ponto de saída dos veículos novos. “Seria o suficiente para acrescentar para os cegonheiros uma receita anual de R$ 200 milhões. Mais do que isso, possibilitaria aquecer o mercado e transportar 1 milhão de novos veículos para todo o Brasil. Além disso, com 980 mil carros e caminhões novos, a receita anual dos cegonheiros aumentaria em torno de  R$ 800 milhões”, disse Vittorio em entrevista à Entrevias em outubro de 2015.

 Benefícios a todos

O aumento na produção de, por exemplo, 1,2 milhão de veículos pode gerar 120 mil empregos em autopeças e montadoras e 940 mil empregos indiretos. Por consequência, as arrecadações federal e estadual também apresentariam aumento expressivo à medida que o incentivo não excederia o valor dos tributos gerados na operação e geraria receita na cadeia produtiva. Segundo cálculos realizados pela equipe do projeto, o crescimento na arrecadação da seguridade social seria de cerca de R$ 5 bilhões, e os gastos com salário-desemprego seriam reduzidos em R$ 1,4 bilhão.

Os benefícios da renovação da frota são tangíveis para o transportador, para o meio ambiente e para a sociedade. Veículos mais novos têm menos gastos em manutenção, são mais seguros, oferecem melhores condições de trabalho aos motoristas e possuem tecnologia para amenizar o impacto à natureza. Caminhões antigos emitem gás carbono 50 vezes mais do que os recentemente produzidos e propiciam mais risco de acidentes no trânsito.

“Retirar de circulação carcaças e carros obsoletos portando conteúdos perigosos, poluente e com alto consumo de combustível representa um ganho ambiental, de segurança e de trânsito imenso. Os carros compensados terão mais de 20 anos de uso”, enfatiza Vittorio.

O processo de reciclagem é capaz de proporcionar ainda economia por ano na extração de 2 milhões de toneladas (t) de minérios ferrosos, de 120 mil t de não ferrosos, de 40 mil t de borracha, de 100 mil t de lubrificantes recuperados, bem como a despoluição de áreas urbanas, com a retirada de 1 milhão de carcaças, possibilitando a diminuição de locais propícios à proliferação do mosquito da dengue.

O centro conseguirá operar, inicialmente, 60 unidades por hora, mas sua capacidade instalada é o dobro. Em um ano, poderá processar até 260 mil unidades. A proposta visa atender a todo o país com um sistema integrado entre montadoras, revendas e sindicatos. “O custo logístico elevado e a dificuldade para a destinação dos resíduos sempre foram apontados por esses setores como os maiores entraves para a implementação de um programa de reciclagem. Entretanto, a proposta é que o mesmo caminhão que vai levar o carro zero volte com os usados e os destine ao centro de reciclagem. Para isso, criamos um frete único, oferecendo uma solução competitiva”, explica Medioli.

 Inspiração

Alinhado às tendências mundiais, o centro foi inspirado em experiências internacionais. Nos Estados Unidos, o governo, em parceria com a associação dos recicladores, implementou, em 2009, o programa Cars (Car Allowance Rebate System – apelidado de “Cash for Clunkers”– tradução livre: dinheiro por sucata), com o objetivo de incentivar a substituição dos veículos antigos por novos e menos poluidores. Em três meses, registraram-se o aumento de vendas em 14,6% e a economia de combustível total de 4,6%.

Desde 2000, a Europa estabelece diretrizes para automóveis e caminhões no fim de sua vida útil.  Determina metas para o descarte de até 85% dos veículos, sendo que, a partir do ano seguinte, esse percentual passa para 95%. Essas diretrizes incentivam os fabricantes de veículos e de componentes a desenharem produtos levando em conta sua reutilização e a reciclagem. A legislação também restringe o uso de substâncias específicas, inclusive chumbo, mercúrio, cádmio, cromo (VI) e, em certos casos, retardantes de chama bromados, tais como éter difenílico polibromado (PBDE) e bifenilos polibromados (PBB).

“A inspiração internacional, alinhada à nossa experiência e à nossa vontade de desenvolver cada vez mais o transporte rodoviário de cargas, vai gerar melhorias para toda a cadeia produtiva. Para o Sindicato dos Cegonheiros, é uma oportunidade profícua participar desse projeto, que tem viabilidade financeira e oferece benefícios ao meio ambiente, à sociedade e ao profissional do transporte. Acreditamos que é dessa forma que nossa instituição legitima sua atuação e colabora para que nossos associados aprimorem seu trabalho e sejam reconhecidos como exemplos de responsabilidade e atores essenciais para o crescimento do país”, orgulha-se o presidente do Sintrauto, Carlos Roesel.

Medioli acredita que o centro no Brasil pode ser ainda melhor que as iniciativas internacionais, pois o setor de transporte e logística no país está na ponta mundial. Contudo, ele critica que o Brasil não está moralmente preparado para certos avanços. “Estou numa luta tremenda há dois anos para convencer o governo federal de que a reciclagem representa a saída da crise. Infelizmente, os governos são ocupados por despreparados.  Mas nosso esforço continua, e, em algum momento, quando a consciência ambiental e desenvolvimentista avançar, o país inteiro terá muito a ganhar com a reciclagem que estamos propondo”, enfatiza o empresário e prefeito de Betim. 

 Parceiros

Para empreender a ideia, foram chamadas instituições que representam o setor de transporte. Na opinião do presidente do grupo Sada, “o Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto) e o Sindicato Nacional dos Cegonheiros (Sindicam) foram parceiros fundamentais para que o projeto chegasse a Brasília levantando a atenção e a adesão de entidades como a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), com a qual trocamos informações, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional de Transportes (CNT) e outras instituições que defendem a reativação do mercado com a geração de emprego e renda. “Contamos também com o apoio do governo de Minas Gerais, por meio do Instituto de Desenvolvimento Integrado (Indi), das prefeituras de Igarapé (MG) e de São Bernardo do Campo, (SP), dos sindicatos dos cegonheiros de São Paulo e do Paraná, do Sindipeças, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que indicou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) para acompanhar os estudos. É um esforço de todos, e não interesse de um ou de outro”, reconhece Medioli.

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Entrevias. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Entrevias poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.