Tortura no volante

Medo de dirigir atinge cerca de 8% da população mundial

Comportamento / 13 de Abril de 2016 / 0 Comentários
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Taquicardia, boca seca, transpiração em excesso, tremores, medo e outros desconfortos. A descrição nos remete a alguma situação limite, como um ato de violência urbana, por exemplo. No entanto, ela pode ser aplicada a uma ação absoluta­mente corriqueira: conduzir um veículo.

Segundo artigo publicado na revista "Ci­ência Hoje", entre 7 e 8% da população mun­dial sofre de fobia de dirigir. De acordo com o estudo, a fobia é vista sobretudo em mulheres com nível superior, casadas, com idade entre 21 e 45 anos, que trabalham e não raro pos­suem veículo próprio ou carro à disposição.

Denominado amaxofobia (medo mórbi­do de se encontrar ou viajar em qualquer veículo ou até mesmo de dirigir), esse pro­blema atinge também pessoas que pos­suem a Carteira Nacional de Habilitação, mas que, por algum motivo, não se sentem seguras ou confiantes o suficiente para ti­rarem o carro da garagem.

A Perkons, empresa de mobilidade e segurança no trânsito, ouviu especialistas no assunto para esclarecer dúvidas sobre a fobia de dirigir. Um dos profissionais en­trevistados foi a psicóloga e autora do livro “Vença o Medo de Dirigir”, Neuza Corassa. Segundo ela, é possível superar a fobia com algumas estratégias.

Para iniciar o processo de aproximação do veículo, a psicóloga sugere que sejam feitos alguns exercícios com antecedência. O objetivo é relaxar e preparar os múscu­los para a direção: “Cerca de três semanas antes de começar a dirigir, é recomendado que a pessoa faça atividades físicas e re­laxamentos musculares para que o corpo fique mais confortável e preparado para a condução”. Além disso, é preciso que o motorista coloque na agenda essa aproxi­mação com o carro, como uma espécie de compromisso. “Pelo menos duas vezes por semana, o condutor deve ‘vestir o carro’ e realizar trajetos cotidianos, como a ida até a escola dos filhos, ao mercado, ao shop­ping, ao parque etc.”, completa.

Os percursos não precisam ter longa duração, mas devem ser feitos com fre­quência para que, com o tempo, a pessoa passe a sentir-se mais segura e à vonta­de. Neuza acrescenta que esses exercícios podem ser feitos com a companhia de al­guém.

 

DESAFIO

O roteirista de TV Max Mallmann, 47 anos, é um dos sujeitos que sofrem do medo de dirigir. Ele relata que foi um garo­to introspectivo, viciado em livros e sem ha­bilidades para esportes e, que, desde bem antes dos 18 anos, recebia lições do pai na direção. “Eu simplesmente não conseguia aprender e me atrapalhava todo. Meu pai ficava furioso, esbravejava e me deixava ainda mais tenso. Por causa disso, talvez, ficar frente a um volante sempre foi uma experiência péssima”, conta.

Ele fez autoescola e se classifica como péssimo aluno, mas tirou carteira de ha­bilitação e comprou um carro. Entretanto, sempre se sentia mal ao dirigir, tenso e com medo. Até que, numa noite de chuva, derrapou e destruiu outro carro que estava parado no sinal. Era o que precisava para nunca mais voltar a dirigir. “Basta me ima­ginar conduzindo um carro para ficar em pânico. São 25 anos pelo menosque nem tento dirigir”, relembra.

Mallmann acrescenta, que, durante mui­to tempo, teve um sonho recorrente e afli­tivo: está no banco do carona de um carro em movimento numa autoestrada, o cinto de segurança não solta, ele não pode sair, e não há ninguém dirigindo. Por isso, ele precisa se esticar todo para alcançar o vo­lante e os pedais. “Faço terapia desde os 20 anos. Sempre falei com meus terapeutas da fobia de dirigir, mas nunca cheguei a tratá­-la. Não considero que seja um problema na minha vida. Na verdade, é uma preocu­pação a menos, e eu já tenho tantas nessa vida... Alguém vai dirigir para mim: ou a mi­nha mulher ou o motorista do táxi ou o do Uber. Assim, vivo com menos estresse e com menos decisões a tomar. Foi minha maneira de lidar com a fobia: decidi não me expor a ela. Nunca mais. Para finalizar, descobri que o medo de volante tem nome: amaxofobia. Sou amaxofóbico assumido”, conclui.

 

CAMINHO

Segundo o psicanalista e diretor do grupo de estudo Fatias de Análise, Eduardo Lucas Andrade, procurar tratamento psica­nalítico para a fobia é um caminho para sustentar o desejo, e não apenas recuar nas manifestações perante ele. Ele explica que, em uma análise, a pessoa vai deparar com o lado obscuro da fobia, dialogando consigo mesma, e terá oportunidades su­portáveis de inovar a própria vida.

“É dolorido, sofrido, muitas pessoas têm vergonha, mas é do humano. A ques­tão maior da fobia é que ela é insuportável. Realmente, a pessoa não consegue vencê­-la, ainda que queira. Não é fácil lidar com a fobia. Se assim fosse, os que sofrem de fobia começariam a dirigir pelo apoio da família, e isso nem sempre acontece, pois esse apoio vai contra o que o sujeito supor­ta. É preciso intervir no inconsciente, isto é, no mais íntimo de si mesmo. A pessoa quer, mas não consegue. A família deve respeitar isso, pois também gera sofrimento. Houve casos de o paciente ir tratar a fobia de di­rigir e, meses depois, ir à análise dirigindo para tratar de outras coisas da vida”, frisa.

Diferentemente da psicologia, que ga­rante a cura da fobia de dirigir, a psicanálise não promete nenhuma garantia de acabar com a amaxofobia; apenas o tratamento, que se dá pela fala. “Não se propõe em psicanálise uma cura absoluta da fobia. O objetivo é que o sujeito suporte aquilo que o trava e que lhe causa angústia, fazendo disso um movimento em sua própria exis­tência. Um restinho de medo é necessário para se tomarem cautelas antes do estra­go. Se, por um lado, a fobia trava o sujeito, impossibilitando-o de se locomover em seu próprio desejo e também em seu próprio veículo, por outro lado, um restinho de medo salva vidas”, adverte o psicanalista. 

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