Transportadores à deriva

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Capa / 03 de Julho de 2015 / 1 Comentários
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Profissionais do setor de cargas denunciam estrutura precária do Porto do Rio Grande e, consequentemente, a ausência de atendimento adequado aos caminhoneiros

De acordo com o Fórum Econômico Mundial (Global Competitiviness Report) 2014/2015, a qualidade da infraestrutura portuária brasileira piorou nos últimos anos, fazendo com que os portos brasileiros ocupem, hoje, a 122ª posição entre 144 países analisados. Paralelamente, pesquisa do Ilos (Instituto de Logística e Supply Chain), que leva em conta a opinião dos usuários dos portos brasileiros, em 2014 houve queda na nota média geral atribuída aos nossos portos, interrompendo um ciclo de crescimento positivo verificado nas edições anteriores da pesquisa (2007, 2009 e 2012). A nota média geral obtida pelos portos brasileiros foi de 6,8 em uma escala de 0 a 10, inferior, portanto, à nota 7,3, de 2012.
Os dados refletem exatamente as impressões de usuários do Porto do Rio Grande, no extremo sul do país. Ele é privilegiado pela localização geográfica – sendo o porto de mar mais meridional do Brasil, estando na margem oeste do Canal do Norte, que é o escoadouro natural de toda a bacia hidrográfica da Laguna dos Patos. Contudo, os profissionais de transporte rodoviário de cargas que atuam nesse ambiente não são contemplados pela estrutura. O único porto marítimo da região que atende à navegação de longo curso, a qual exige boas profundidades, apresenta pátios para caminhões repletos de buracos e a inexistência de estrutura para os profissionais de transportes descansarem ou mesmo para satisfazerem suas necessidades fisiológicas.
O vice-presidente da Associação da Família dos Caminhoneiros, Dilso Peterini, conta que as adversidades começam no acesso ao porto. “Os pátios ficam à esquerda da BR-392, e temos que percorrer aproximadamente 8 km. É rotina enfrentarmos longos congestionamentos nessa rodovia, que não conta com acostamentos. Além de ser perigoso, visto que ficamos vulneráveis a roubos e à falta de estrutura para os caminhoneiros, somos multados pela Polícia Rodoviária Federal”, contextualiza.
Ele diz que o agendamento de cargas melhorou o acesso, mas a situação ainda está distante de alcançar o ideal. Principalmente em época de aumento da safra, filas e acidentes fazem parte do dia a dia dos profissionais. Após se acessar o porto, começa o rodízio entre os pátios, devido à estrutura estagnada. Dilso ressalta que chegou a aguardar, para descarregar a carga, 15 horas – mudando de um lado para o outro. “Acontece direto, e, por isso, tem muitos acidentes, pois não há espaço para descansar, para tomar um banho decente e, inclusive, para as nossas necessidades básicas. Os transportadores saem exaustos”.
O presidente da Cooperativa dos Transportadores Autônomos do Rio Grande do Sul (Cootargs), Telmo Saraiva Lopes, reforça o esgotamento da estrutura do porto, sobretudo em período de safra.

DESRESPEITO
Inadmissível, mas caminhoneiros revelam que as condições sanitárias são precárias e deploráveis. Dilso conta que banheiro é artigo de luxo, e, para se tomar um banho em um espaço sujo, é necessário pagar entre R$ 5 e R$ 10. No pátio, os profissionais ficam ao relento: se chover, a lama toma conta. Em tempo de seca, a poeira levanta à medida que os caminhões circulam. Esse cenário gera problemas respiratórios nos profissionais e avarias nos veículos, aumentando a necessidade de manutenções.
O vice-presidente da Associação dos Proprietários de Caminhões de Pelotas (Aprocapel), Everaldo Carvalho Born, denuncia outra grave situação: o não-pagamento de diárias. A Lei 13.103/2015 – conhecida como a Lei dos do Caminhoneiro, sancionada, sem veto, no dia 2 de março, pela presidente da República, Dilma Rousseff – disciplina que o prazo máximo para carga e descarga será de cinco horas, contadas da chegada do veículo ao endereço de destino. Depois disso, o transportador receberá R$ 1,38 por tonelada/hora ou fração. Esse valor será atualizado anualmente, de acordo com a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Para se fazer o cálculo, será considerada a capacidade total de transporte do veículo.
Porém, na prática, é diferente. “Por causa do não-recebimento, fizemos (25 transportadores) uma paralisação durante cerca de 30 dias no porto. A direção acionou a Justiça, que deliberou que os caminhões fossem retirados à força, por funcionários do porto. Até hoje, não recebi o que era devido”, critica.

REGIÃO SITIADA
Mais uma acusação preocupante: o alto valor do pedágio para acesso ao porto. Apesar de isso ser de responsabilidade da concessionária Ecosul, a somatória dos fatores apresentados – descumprimento de regras previstas em lei, ausência de estrutura adequada para atendimento e custo exorbitante de tarifa – compromete o desenvolvimento da região, segundo Everaldo.
Ele analisa que, nos últimos anos, a área não atraiu nenhum investimento. Ao contrário, assistiu ao fechamento de indústrias, sobretudo do setor de conservas – características da região. Centenas de funcionários diretos foram demitidos, além de agricultores terem tido sua renda comprometida.
São cinco praças de pedágio, todas federais, duas no trajeto de Pelotas a Porto Alegre, uma em Canguçu, outra em Jaguarão e a quinta no caminho para Rio Grande, implantadas a partir de 1996, no governo de Antônio Britto. O contrato original venceu em 2013, porém, um termo aditivo assinado, pelo Ministério dos Transportes, no ano 2000, quando o polo foi federalizado, prorrogou o contrato até 2026, elevou as tarifas em 58% e determinou a cobrança nos dois sentidos.
Uma ação do Sindicato das Empresas Transportadoras de Cargas (Setcergs) pedindo o cancelamento do aditivo que concede mais 12 anos e oito meses à empresa concessionária tramita na Justiça Federal de Pelotas. De Porto Alegre a Rio Grande, por exemplo, um caminhão de carga paga nove pedágios. “Pequenos produtores da região estão impedidos de escoar a colheita do pêssego e outros produtos porque até mesmo estradas vicinais e municipais centenárias estão sendo bloqueadas pela concessionária para a passagem de caminhões e máquinas agrícolas. O direito de ir e vir da população está sendo tolhido pela empresa. A Ecosul se acha a dona da região”, acusa Born.
De acordo com ele, as taxas não retornam para a região nem para a infraestrutura rodoviária. Diversos trechos estão repletos de buracos e desníveis e sem acostamentos – situações motivadoras de acidentes.

PAUTA ESQUECIDA
Esse tema e as condições enfrentadas pelos transportadores no Porto do Rio Grande passaram pelos governos municipais e estadual da região, pelo Legislativo e até pelo Executivo federal, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Everaldo conta que ele e representantes do transporte foram recebidos pelo diretor geral dessa instituição, Jorge Bastos, em 2014, que disse não ter conhecimento da situação. Prometeu analisar e, até o momento, não retornou aos chamados.
A equipe de reportagem de Entrevias enviou diversas fotos para a assessoria de imprensa do Porto do Rio Grande que revelam a deficiência estrutural, e o diretor-superintendente, Janir Branco, respondeu que foram realizadas diversas reuniões entre os sindicatos e a empresa Tergrasa sobre o assunto. “Aquela região não é um espaço próprio para isso. É uma utilização emergencial para que os caminhões não fiquem parados na BR-392. Estamos em andamento com o Plano Safra, com reuniões periódicas sobre o escoamento da safra de grãos e com a distribuição de material informativo em que consta a localização dos sete pátios para caminhões dos diversos terminais. Sobre aquele espaço específico, a direção da empresa está ciente de que precisa fazer algumas melhorias de infraestrutura para atender às demandas dos caminhoneiros. Estamos acompanhando para que o acordado seja cumprido. A autoridade portuária tem o dever de auxiliar na organização de todo esse processo, mas muitos dos pátios são de inteira responsabilidade dos terminais”.

Ele reconhece que existem gargalos que ainda precisam ser resolvidos, como o lote 4 da BR-392, que não está duplicado. O superintendente não apresentou soluções quanto à melhoria das condições sanitárias.

MARES DE LONGA DISTÂNCIA
O estudo “Portos Brasileiros: diagnóstico, políticas e perspectivas”, do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), mostra que um dos maiores bloqueios para a expansão do setor portuário nacional está na deficiência de infraestrutura, sobretudo portuária, o que compromete o potencial do setor e representa um entrave ao crescimento do comércio internacional e de cabotagem no país. “A maior demanda identificada, em número de obras e também em valor orçado, refere-se à necessidade de construção e manutenção de áreas, retroáreas, berços, pátios, píeres, molhes e cais dos portos. Entre os principais portos que apresentaram problemas relativos às áreas portuárias destacamos os de Santos, Vitória, Itaqui, Pecém e Rio Grande, que, juntos, respondem por quase 40% das demandas identificadas”, diz o estudo.
Visando-se ampliar os investimentos privados e modernizar os terminais, foi sancionada, em 2013, a Medida Provisória 595 – a MP dos Portos –, que regulamentou o setor portuário do Brasil. O texto estabeleceu novos critérios para a exploração e o arrendamento, por meio de contratos de cessão para uso, para a iniciativa privada, de terminais de movimentação de carga em portos públicos. “A Lei dos Portos vem sendo aplicada e tem trazido melhorias para os diversos setores. Como parte do processo de modernização da logística, é necessário que tenhamos sempre atualizações na legislação para acompanhar o mercado. No Porto do Rio Grande, algumas áreas já serão licitadas pela nova lei, e isso poderá trazer novos empreendimentos, gerando emprego e renda”, anuncia o superintendente.
Há dois anos – época da implementação da MP dos Portos –, Maricê Léo Sartori Balducci, engenheiro com especialização em transportes e em logística empresarial, disse à Entrevias que “uns dos principais problemas dos portos brasileiros são os acessos e a urbanização, que, naturalmente, já cercou as instalações portuárias. A MP não trata das rodovias e ferrovias que chegam ou saem dos portos, mas outros programas, como o PAC e o Brasil 2022, têm previstas verbas e ações nesse sentido. Investimentos em infraestrutura são de implantação demorada, e o processo tumultuado da aprovação causa certa insegurança nos investidores; somente após alguns anos, superadas as questões legais, poderemos sentir os impactos”.
O consultor em logística e transporte José Augusto Valente, em seu artigo “A quem serve a MP dos Portos?”, reforça que o projeto não ataca nenhum dos principais entraves à eficiência dos portos: acessos terrestres aos portos, elevada burocracia, tarifas portuárias altas cobradas pelos donos dos navios (armadores) do importador/exportador e necessidades de ampliação dos berços de atracação e de dragagem para fazer face aos navios gigantes que começaram a vir para o Brasil. “A medida parte de outro diagnóstico de que o problema está nos portos públicos e propõe a expansão dos terminais privados”.
Nesse sentido, Maricê analisa que, se a modernização dos portos públicos ficar sujeita a investimentos e à manutenção pelo governo e ainda se as relações trabalhistas não forem as mesmas, será muito difícil para os operadores de portos públicos atingirem economia de escala para manter uma competição sadia com os terminais privados.

RUMOS
Ainda de acordo com Maricê, a integração da logística – rodoviária, ferroviária, de tráfego urbano e armazenagem intermediária – é o caminho. “Os navios serão cada vez maiores. As restrições urbanas não vão permitir a ampliação de áreas de armazenagem junto aos cais dos portos. Portanto, locais interiorizados para armazenagem serão necessários, evitando a grande retenção de ativos de transporte (vagões e caminhões) no destino final e aumentando sua produtividade.

Alternativas para o tráfego de cargas não disputando o mesmo espaço físico com a mobilidade de pessoas e rotas privilegiadas para ambos. Mas o deslocamento de fluxos de escoamento em busca de outros portos, com novas ferrovias e eixos rodoviários na direção dos portos do Nordeste, e a intermodalidade em direção à região Norte para saída pelo rio Amazonas podem ser de grande contribuição, além de incentivarem o desenvolvimento de outras regiões do país”.

Outras soluções, na visão do especialista, são a eficiência dos serviços públicos, que precisam promover o funcionamento das atividades operacionais e administrativas sem interrupções; a melhoria da infraestrutura portuária, para acompanhar a evolução das embarcações cada vez maiores e mais pesadas; e a agilidade nos serviços de dragagem e desembaraço das cargas. Assim, a redução de custos virá pela produtividade e pela economia de escala.

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