Um gigante nas estradas

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Capa / 18 de Maio de 2015 / 0 Comentários
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Transporte de cargas superdimensionadas é essencial para o desenvolvimento nacional, mas enfrenta desafios do tamanho da sua prestação de serviço

O tamanho da carga transportada é diretamente proporcional à complexidade da logística, à burocracia e aos desafios impostos a essa prestação de serviço. É impossível o transporte de cargas superdimensionadas passar despercebido nas estradas e, consequentemente, Sindipesanão apresentar impacto em casos de adversidades. Recentemente, uma das principais rodovias de Minas Gerais ficou fechada por mais de 30 horas em função de incidente com uma carreta que transportava um transformador de 238 toneladas. O caminhão estragou na BR-381 (Fernão Dias), entre Brumadinho e Igarapé, e pegou fogo. O evento se deu no fim de março.
Na época, a Autopista Fernão Dias, concessionária que administra a rodovia, foi responsável pela remoção, mas nenhum guincho disponível tinha suporte para remover cargas com o peso da carreta, com mais de 500 toneladas. “Foi bastante complicado devido a toda a dimensão do veículo e da carga. Tratou-se de uma pane mecânica seguida de princípio de incêndio em um dos cavalos mecânicos, que precisou​ ser substituído, gerando um longo período de tempo de chegada e de substituição do cavalo para posterior remoção do veículo”, explica o diretor-superintendente da empresa, Helvécio Tamm de Lima Filho.
Ele conta que a concessionária tomou todas as providências possíveis durante o incidente, informando a rota alternativa, com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), aos usuários via 0800 e nos Painéis de Mensagem Variável (PMVS). Contudo, os motoristas que estavam parados no congestionamento fizeram um protesto na pista contrária, o que deixou o trânsito ainda mais complicado. Eles reivindicaram um desvio no trecho para os carros passarem, e a PRF, para atender ao pedido, providenciou a quebra da mureta que divide a rodovia.
Na véspera do fechamento desta ed​ição, foi registrado, também na BR-381, no KM 535 – em Itatiaiuçu –, outro incidente. Um veículo superdimensionado responsável por fazer o transporte de um transformador tombou em uma curva e interditou a rodovia. O conjunto tem aproximadamente 80 metros de comprimento e pesa, ao todo, 500 toneladas. Somente o transformador, que levou um ano para ser fabricado e será levado para uma subestação na Província de Buenos Aires, na Argentina, pesa 240 toneladas.​ PARTICULARIDADES
Os casos emblemáticos inspiram a reflexão em torno do transporte de cargas superdimensionadas. Nos últimos anos, esse tipo de prestação de serviço cresceu proporcionalmente à expansão dos setores​ industrial e de infraestrutura, e sua importância caminha ao lado da série de procedimentos a serem cumpridos durante a realização da atividade.
“A Resolução 11 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamenta o uso de rodovias federais por veículos, ou combinações de veículos e equipamentos, destinados ao transporte de cargas indivisíveis e excedentes em peso e/ou dimensões ao limite estabelecido nas legislações vigentes para o conjunto veículo e carga transportada”, diz Antonio das Graças de Paula, instrutor de direção defensiva e segurança no trânsito.
Essa norma conceitua que a carga indivisível é representada por uma única peça estrutural ou por um conjunto de peças fixadas por rebitagem, solda ou qualquer outro processo. As cargas superdimensionada não são produtos perigosos por conta de seu dimensionamento, mas podem ser
cargas consideradas transporte perigoso.
Elas não são inflamáveis, oxidantes, tóxicas, radioativas e corrosivas. No entanto, exigem cuidados especiais por apresentarem peso e dimensão superiores aos determinados pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Um deles é que o transporte de carga indivisível somente pode ser efetuado em veículos adequados, que apresentem estrutura, estado de conservação e potência motora compatíveis com a força de tração a ser desenvolvida, assim como uma configuração de eixos, de maneira que a distribuição de
pesos brutos por eixo não exceda os limites máximos permitidos pela Resolução 11.
Essa diretriz deve ser cumprida à risca, pois o Departamento Nacional de Infraestrtura de Transportes (Dnit) poderá exigir a comprovação de potência e a Capacidade Máxima de Tração do veículo, e fazer vistoria prévia.
Além disso, os conjuntos transportadores são obrigatoriamente avaliados tecnicamente, mediante inspeção veicular na forma e na periodicidade estabelecidas pelo Contran.​

O RITO
Acompanhar a demanda desse tipo de serviço exige investimentos em veículos especiais, desde os convencionais até os hidropneumáticas, bem como a realização de procedimentos específicos. O transporte de carga superdimensionada necessita de​ obtenção prévia de Autorização Especial de Trânsito (AET) junto ao órgão com circunscrição sobre a via, que podem ser o Dnit e os Departamentos Estaduais de Trânsito.
Inicialmente, a autorização é fornecida com o prazo de 60 dias consecutivos e válida para apenas uma viagem, incluído o​ retorno do veículo vazio ou transportando carga, desde que esteja de acordo com as características especificadas na AET e não exceda os limites do Contran. Nos casos que ultrapassam os limites, é exigida licença especial de transporte, que deve apresentar dados como comprimento, largura, altura e peso da carga, a serem anexados junto ao conjunto transportador.
Para o vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Transporte e Movimentação de Cargas Pesadas e Excepcionais (Sindipesa), João Batista Dominici, o planejamento da prestação de serviço é fundamental para a garantia da excelência e da segurança. “Planejar implica escolher​ um itinerário que comporte o peso e as dimensões finais do conjunto transportador (veículo mais carga), dimensionar o veículo, obter a AET e observar os requisitos impostos para o transporte, como placa de sinalização de segurança, acompanhamento por escolta credenciada e policial, quando exigido, além da observação dos horários de trânsito e, quando necessária, a devida programação da travessia junto às concessionárias de rodovias”.​

ATORES E SUAS FUNÇÕES
Ele ressalta que o transporte de cargas excedentes, dependendo do peso e das dimensões do conjunto transportador, requer a participação de grande número de prestadores de serviço. A transportadora envolve seus motoristas, operadores de linhas de eixo, supervisores operacionais e outros profissionais. Os parceiros nessa atividade são fornecedores para escolta, remoção de placas de sinalização e outras instalações na rodovia, concessionárias de serviços públicos de telefonia, eletricidade, TV a cabo, policiais rodoviários e ainda de equipes de engenharia responsáveis pelo trabalho de viabilização estrutural e geométrica da rodovia.
“As polícias rodoviárias e os agentes de trânsito recebem em seus treinamentos uma formação específica de como supervisionar​ conduzir e orientar os motoristas batedores e carreteiros. Já os motoristas de escoltas são especializados em dar toda a segurança à carga transportada, bem como orientar e sinalizar todo o percurso. Eles são obrigados a ter o curso de carga indivisível, abrangendo a direção defensiva, a segurança no trânsito e o transporte de produtos perigosos”, apresenta o instrutor Antonio, mais conhecido como Inspetor De Paula.
As atribuições da Policia Rodoviária Federal (PRF) no transporte de cargas excedentes são credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e transporte, além de assegurar a livre circulação nas rodovias federais. “Quando falamos em cargas superdimensionadas, temos que pensar em todos os​ envolvidos na operação. Para isso, é preciso estar atento às documentações dos veículos, dos condutores e da documentação da carga. Também deverão ser observadas as regras de trânsito e circulação dos veículos cujas sanções pelo descumprimento estão descritas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e nas legislações complementares ”, ressalta o policial rodoviário federal Fabio Mehanna dos Santos Carvalho.
O agente completa que a eficiência e a segurança nessa modalidade de transporte são garantidas quando todos os atores são conscientes e compromissados a realizarem seus trabalhos de forma responsável. “Assim, orientamos todos a, antes de iniciarem suas atividades, verificarem se toda a documentação está regularizada e que, durante o transporte, respeitem as regras de trânsito e de circulação”.​

DESAFIOS
Um dos principais desafios na prestação de serviço é a disponibilidade de profissionais para a atividade. “Também são adversidades enfrentadas as deficiências na infraestrutura e na logística do país, com rodovias em péssimas condições e centenas de pontes com limitação de capacidade, insuficiência de policiamento rodoviário federal para escolta das cargas, burocracia, taxas muito elevadas para obtenção das AETs e uso das rodovias concessionadas”, enfatiza o vice-presidente​ do Sindipesa. Ele pontua que o sindicato e os representantes do setor mantêm o governo informado sobre as dificuldades da área. “Contudo, em um país que não consegue atender a questões básicas, como saúde, educação e segurança, as nossas demandas nem sempre recebem o tratamento que o setor precisa".
Paralelamente, o segmento enfrenta desafio na sustentabilidade financeira. A equipe de reportagem de Entrevias contatou empresário do setor, que preferiu não se identificar e manifestou a dificuldade​ Diasde prestar o serviço diante desses fatores. Após análise da viabilidade econômica da atividade, a empresa optou por encerrar o transporte de cargas superdimensionadas.
“Os principais clientes desse tipo de transporte são empresas que atuam em setores como os de óleo e gás, energia elétrica e eólica, mineração e siderurgia, papel e celulose, construção civil e setores industriais de um modo geral. Atualmente, a maioria das transportadoras passa por dificuldade. A concorrência é muito grande, e o baixo crescimento da economia ao longo dos últimos anos reduz o ritmo de desenvolvimento dos projetos e dos investimentos que geram demanda para o setor”, analisa o vice-presidente do sindicato.​

AMARRANDO AS ARESTAS
Enquanto as soluções estruturais não chegam, os profissionais do transporte podem continuar exercendo o serviço orientados pela qualidade, pela segurança e pela responsabilidade. E uma ação baseada nessas premissas é a amarração da carga. “Nessa atividade, devem ser observados o peso e as dimensões da carga, que tipo de atrito vai existir entre a carga e o piso da carroceria, posição/ângulos e capacidade dos dispositivos de amarração e dos pontos de ancoragem ”, conta o engenheiro mecânico Rubem Penteado de Melo, que é especialista em segurança no transporte de cargas.
Tudo começa com o Plano de Amarração de Carga – o projeto do sistema de fixação realizado por técnicos ou engenheiros. A partir dessa diretriz, a equipe de expedição ou “peação” e o próprio caminhoneiro podem efetuar a amarração supervisionados pelo responsável técnico do transporte. Durante a viagem, o condutor tem a responsabilidade de examinar e retensionar periodicamente o sistema de amarração.
O especialista Rubem diz que, no Brasil, são precários os estudos estatísticos que relacionam amarração de cargas com acidentes em rodovias. Porém, ressalta que uma amarração eficaz​ é fundamental não somente para evitar que a carga caia do veículo, mas também para impedir que ela se movimente sobre a carroceria, participando decisivamente de muitos tombamentos nas rodovias.“Lembro-me de um acidente na BR-110 (Bahia) em 2014, quando um trator caiu na pista e colidiu com um ônibus, resultando em 19 mortos". “As embarcadoras devem exigir das empresas transportadoras que seus motoristas, tanto carreteiros quanto de escoltas, passem por cursos de aperfeiçoamento, instrução, qualificação, pois o condutor deve estar sempre atento às situações que
oferecem risco a ele, aos usuários e ao meio ambiente antes e durante a viagem. O transportador tem a responsabilidade por eventuais danos que o veículo ou a combinação de veículos possam causar à
via ou a terceiros. Além disso, em todas as situações, o veículo de carga deverá estar devidamente equipado para transitar, de modo a evitar o derramamento ou o desabamento da carga sobre a via; e o condutor deverá estar com seus treinamentos​ e reciclagem em dia”, orienta Inspetor De
Paula.
No que tange às normas de amarração de cargas, no país as regras são limitadas e partem do artigo 102 do CTB, que regulamenta alguns tipos de transporte, como produtos siderúrgicos, pedras ornamentais (blocos de granito), madeira e contêiner. “Para demais cargas, esperamos que seja
publicada ainda neste ano uma nova resolução do Contran. No âmbito internacional, há várias normativas. Cito a mais significativa: a Norma Europeia EN 12195. Uma novidade: vem aí a ISO 39001 – Segurança no Transporte Rodoviário. Muitas empresas na Europa e uma na Argentina estão certificadas. Certamente, o Plano de Amarração​ fará parte dos procedimentos para cargas
superdimensionadas”, acredita o especialista Rubem.​

OLHAR PARA FRENTE
A Autopista Fernão Dias antecipa que está sendo criado um grupo interno para, junto aos órgãos competentes e às empresas transportadoras, elaborar um estudo de viabilidade e criar um programa emergencial voltado para o transporte de cargas. O intuito é dirimir incidentes como os relatados nesta reportagem. “Gostaria de aproveitar a oportunidade para dizer que lamentamos os prejuízos e os danos causados aos usuários e informar que estamos trabalhando e analisando outras possibilidades
para melhorar a qualidade do trabalho da concessionária e minimizar problemas ”, comunica o diretor-superintendente da Autopista Fernão Dias, Helvécio Tamm de Lima Filho.O presidente do Sindicato dos Cegonheiros do Estado de Minas Gerais (Sintrauto), Carlos Roesel, corrobora a importância de implementar aprimoramentos na prestação de serviços com o objetivo de oferecer segurança a todos os usuários. “Ao se planejarem e implantarem ações direcionadas à segurança e à adequada trafegabilidade de veículos de transporte de cargas, incluindo as superdimensionadas, a sociedade e os profissionais das estradas são positivamente impactados. Atividades conjuntas – empresas, instituições de classe e governo – tornam-se o caminho para a benéfica prestação de serviço e, consequentemente, para o desenvolvimento da economia nacional ”, analisa Roesel.
O presidente do Sindipesa completa: “Quando encontrarem um veículo transportando uma carga excedente, lembrem- -se de que se trata de atividade essencial para o país, pois sem ele não há construção de hidrelétricas, de refinarias, de exploração de petróleo e gás, não há construção nem ampliação de rodovias, não há a implantação de novas indústrias, não há crescimento, nem geração
de renda, emprego e bem-estar para todos. Aguentem uma possível morosidade no trânsito com paciência e saibam que, quanto mais cargas dessas nas estradas, melhor para o país".

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