Vitória do bom senso

Decisão da Justiça Federal inviabiliza proposta de restringir tráfego de caminhões no Anel Rodoviário, na região metropolitana de Belo Horizonte

Capa / 08 de Maio de 2018 / 0 Comentários
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Tráfego liberado para o setor que leva desenvolvimento para o país. No dia 6 de abril, a Justiça Federal informou que foi negado o pedido da Prefeitura de Belo Horizonte para assumir a gestão e a fiscalização do trânsito do Anel Rodoviário. De acordo com a sentença, o atendimento ao pleito iria contrariar regras constitucionais e ferir o respeito à harmonia entre os Poderes, uma vez que o Judiciário adentraria atribuições do Executivo e do Legislativo federais. Assim, a gestão da via permanece com a União, ficando sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), e a proposta do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, de restringir o tráfego de caminhões no local fica suspensa.  

“Essa decisão revela o bom senso do Ministério Público Federal, que entendeu os reais problemas do Anel Rodoviário. Entregar a gestão dessa via para o município é loucura, pois ele não dá conta nem dos problemas de mobilidade da cidade”, pontua José Aparecido Ribeiro, presidente das organizações não governamentais SOS Mobilidade Urbana e SOS Rodovias Federais de Minas Gerais, além de ser consultor em mobilidade urbana.

A Prefeitura de Belo Horizonte propôs a restrição de tráfego de caminhões no Anel como solução para enfrentar os inúmeros acidentes e mortes que ocorrem no local. Foi anunciado que o impedimento seria no trecho de 10 km administrado pela Via 040, que abrange um dos mais perigosos do Anel, entre o bairro Olhos D’Água, no entroncamento com a BR-356, e a avenida Amazonas, possivelmente nos horários de pico. A Secretaria Municipal de Assuntos Institucionais e Comunicação Social respondeu à Entrevias que a “Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), irá recorrer da decisão”.

Um dos problemas da via é o estreitamento repentino da pista

A via é o corredor mais movimentado em Belo Horizonte, com um tráfego em torno de 160 mil veículos por dia, sendo palco de estatísticas alarmantes: 25.219 acidentes nos últimos dez anos. De 2007 a 2016, segundo a Polícia Militar, foram 7.635 ocorrências com vítimas e 17.584 sem feridos. No mesmo período, 319 pessoas morreram, e 10.209 ficaram feridas na rodovia que corta a capital. As estatísticas também revelam os principais envolvidos. Atropelamentos são mais recorrentes, seguidos por acidentes com motos, carros e, por último, caminhões.

Para especialistas, a restrição de circulação de veículos pesados não tem relação com a redução de acidentes. “A intenção de restringir a circulação de veículos pesados no Anel Rodoviário não ataca as causas do problema. É uma medida barulhenta e sem efetividade”, critica Luciano Medrado, consultor técnico sênior da Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Fetcemg) e do Sindicato das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais (Setcemg).

O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Centro-Oeste Mineiro (Setcom), Anderson Cordeiro, ressalta que a instituição é contrária à restrição e, se necessário, buscará medidas jurídicas cabíveis. “Os empresários deste setor arcam com vários tributos que deveriam ser destinados às melhorias do Anel. Além disso, não há estudos que comprovam a efetividade do impedimento de caminhões nessa via” diz.

Soluções

Em novembro do ano passado, a prefeitura reuniu um grupo – formado pela Via 040, que tem a concessão de parte do Anel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que fez a concessão, e as polícias Rodoviária Federal (PRF) e Militar Rodoviária (PMRv) – para implantar medidas de segurança no Anel Rodoviário, entre elas a restrição do tráfego de caminhões nos trechos e nos horários mais críticos. Porém, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela via, não foi convidado.

O Setcemg e a Fetcemg acompanharam as discussões. Medrado conta que foram apresentadas dez medidas de segurança. Uma delas é um estudo de impacto econômico que a restrição causaria, visto que o Anel liga quatro importantes rodovias do país – as BRs 381, 262, 040 e 356. Todas elas passam pela região metropolitana de Belo Horizonte.

Outra proposição foi atuar nos acidentes de acordo com os mais frequentes: atropelamentos, motos, carros e caminhões. A redução da velocidade para 50 Km/h e a definição de áreas de escape no trecho do bairro Betânia também foram apresentadas, bem como a implementação de uma balança rodoviária próximo ao viaduto da Mutuca, buscando interromper o ritmo de velocidade dos veículos e passar instruções sobre o trecho.

O uso de tecnologia também contribuiria para a segurança. A Via 040 conta com painéis, e a ideia é aprimorar a interação entre as informações do tráfego. Dessa forma, quanto estivesse chegando ao Anel, o motorista receberia dados de todo o trecho.

“Todas as sugestões foram bem aceitas, tanto que o grupo parou de se reunir. Como o prefeito não ficou satisfeito em não sugerir a restrição a caminhões, foi até o Ministério dos Transportes e solicitou um novo grupo de trabalho, que se reuniu uma única vez, pois a ANTT e o Dnit também são favoráveis em trabalhar com as causas”, ressalta Medrado. Segundo ele, essas medidas também serão apresentadas no grupo de logística urbana, que discute o Plano de Mobilidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Rodoanel

Na opinião dos especialistas, a construção do Rodoanel é uma das medidas mais efetivas. O projeto, que pretende desafogar o trânsito no Anel Rodoviário em Belo Horizonte, está parado há quatro anos. A proposta era um contrato de 30 anos de duração com obras executadas em quatro anos. Com a extensão de 66 km, o Rodoanel Norte ligaria a BR-381 Sul à BR-381 Norte, passando pelos municípios de Betim, Contagem, Ribeirão das Neves, Pedro Leopoldo, Vespasiano, Santa Luzia e Sabará.

Em junho de 2012, foi celebrado um acordo entre a União, o governo de Minas e a Prefeitura de Belo Horizonte fixando as atribuições de cada ente no empreendimento. A parte sul ficou sob a responsabilidade do Dnit, a norte coube ao Estado, e a leste ficou a cargo do município.

A licitação até ocorreu, mas o processo foi anulado em 2016 por ser incompatível com a situação financeira do Estado no que diz respeito a investimento em infraestrutura, já que o valor total de contrapartida no processo de concessão na modalidade parceria público-privada era de R$ 248 milhões/ano e de R$ 7,2 bilhões no fim da concessão.

Doação

A Superintendência Regional do Dnit vai entregar uma nota técnica ao ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella, sugerindo que o órgão solicite ao Estado a doação para a União do projeto de construção da alça norte do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte. A medida tem por objetivo atender aos desafios de mobilidade urbana.

A proposta foi defendida no encerramento de audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Econômico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), pelo superintende regional do Dnit, Fabiano Martins Cunha, como alternativa para a retomada do empreendimento, há anos paralisado. Ele disse que há três meses está em andamento um estudo de viabilidade para retomar a obra, que, na prática, nunca saiu do papel.

Segundo Cunha, a superintendência está comprometida com a execução da obra, e, até a primeira quinzena de maio, será divulgado o primeiro trecho de competência do Dnit, com previsão de investimentos de R$ 5,5 milhões só para o projeto executivo, que deve ser concluído em 360 dias. Outro termo de referência, a cargo da concessionária, depende de autorização do Ministério dos Transportes e prevê investimentos de R$ 7,5 milhões, também com previsão de execução em 360 dias.

Questão estrutural

O Anel Rodoviário enfrenta problemas estruturais. A via foi construída há 50 anos, para um determinado número de veículos, e não acompanhou a evolução da cidade. Por ter se tornado o único corredor expresso que atravessa a capital mineira sem interrupção, recebe alto número de veículos, que, em tese, deveriam trafegar continuamente. Contudo, os motoristas enfrentam gargalos e irregularidades no trajeto que não têm conserto, segundo José Aparecido Ribeiro.

São três faixas que, de repente, mudam para duas, ocasionando frenagens repentinas e colisões. Um desses trechos é o KM 536, próximo à saída para a avenida Amazonas, no bairro Madre Gertrudes, na região Oeste de BH. A cerca de 1 km antes do acesso a um dos principais corredores da capital, debaixo da linha férrea, há um estreitamento brutal da pista, que passa de três para duas faixas de rolamento repentinamente também no KM 470, no bairro Carlos Prates, na região Noroeste. O terceiro ponto onde os mesmos problemas se repetem é o KM 465, no São Francisco, na Pampulha.

Em horário de pico, isso causa engarrafamentos até a Via do Minério, deixando a situação do trevo do Betânia ainda mais delicada, pois os carros parados formam uma espécie de barreira para quem desce em direção ao Espírito Santo.

“As tragédias acontecem por causa da interrupção do tráfego. Observe que os últimos acidentes foram ocasionados por motoristas que não eram de Belo Horizonte, ou seja, que não conhecem os impedimentos e a dinâmica contraditória do Anel. No caso de caminhões, é fundamental ter tempo para frenar”, pontua Ribeiro.

Medida abusiva?

O estudo “Logística Urbana: Restrições aos Caminhões?”, recentemente divulgado pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), mostra que, em 40% dos municípios de sete das principais regiões metropolitanas brasileiras, há restrições de caminhões. Metade dessas proibições se estende 24 horas por dia. A maior quantidade de restrições em período integral se dá em ruas e avenidas de Belo Horizonte/MG (81%); Porto Alegre/RS (70,6%) e Recife/PE (60%). Também foram analisadas as realidades de São Paulo (SP), Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Manaus (AM).

Segundo esse estudo, além do período integral, também há proibições em outros horários. Durante o dia, os impedimentos para o trânsito de caminhões nas regiões pesquisadas chegam a 24,5% das restrições. Já o período noturno corresponde a 13,3%. Os horários de pico, aqueles associados aos deslocamentos casa-trabalho e trabalho-casa, no início e no fim do dia, possuem 11,9% de proibições.

Quanto ao percentual de restrições de circulação para caminhões em horário diurno, destacam-se Manaus (66,7%), Curitiba (33,3%) e Recife (30%). À noite, Goiânia (25%), Curitiba (22,2%) e Porto Alegre (17,6%). Por fim, nos horários de pico, as regiões com os maiores índices são Manaus (33,3%), Goiânia (25%) e São Paulo (24,4%).

O levantamento da confederação aponta que, no total, foram identificadas 143 restrições em 76 municípios das sete regiões metropolitanas avaliadas. Entre elas destacam-se as de circulação (quando o caminhão está proibido de trafegar na via), que ocorrem em 86% das regiões analisadas; de carga e descarga (quando o caminhão só pode estacionar no local, mas está proibido de fazer carga e descarga), em 9,8% dos casos; e de estacionamento (quando o caminhão não pode nem estacionar nem fazer carga e descarga, devendo apenas trafegar pela via), em 4,2% dos municípios. 

“Percebemos que esse excesso de restrições acrescenta complexidade à realidade dos transportadores, o que afeta a distribuição de mercadorias para a população. É essencial que tenhamos uma padronização, sobretudo quanto ao tipo de veículos e aos horários em que eles podem trafegar em cidades próximas. Isso contribuirá para o planejamento e a gestão da operação das empresas que atuam nesses municípios”, explica o diretor-executivo da CNT, Bruno Batista.


As principais consequências das medidas são aumento do custo operacional do transporte; baixa previsibilidade da entrega das mercadorias; maior emissão de poluentes e ruídos; e aumento do risco de acidentes. O estudo revela que as restrições à circulação de caminhões nas principais regiões metropolitanas do país podem representar custos adicionais de até 20% no valor do frete.

Em alguns municípios, transportadores passaram a incluir no custo do transporte a TDE (Taxa de Dificuldade de Entrega) e a TRT (Taxa de Restrição ao Trânsito) – essa com impactos no valor do frete de até 15%. As taxas são motivadas por longas filas no abastecimento e por recebimento fora do horário comercial, que obriga os motoristas a aguardarem a liberação para a entrega da carga.

Outros caminhos

Para atuar nesse problema, a CNT propõe a ampliação dos investimentos em infraestrutura, especialmente em anéis viários, o aumento da segurança e da disponibilidade de locais de parada e de descanso, a ampliação da oferta de vagas de carga e descarga, melhorias na sinalização e na fiscalização do trânsito e o aprimoramento das políticas públicas de planejamento.

Para o presidente do Sindicato dos Cegonheiros de Minas Gerais (Sintrauto), Carlos Roesel, é preciso haver planejamento de médio e longo prazos nas cidades e não usar a restrição de caminhões como única solução de problemas diversos. “São necessárias melhorias no transporte público, implementação de pontos de carga e descarga, criação de centros de distribuição, entre outras medidas”, afirma.

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