Bloqueio indevido

Gerenciadoras de risco têm impedido contratação de transportadores com restrições financeiras, embora prática seja ilegal, conforme Lei do Motorista

Legislação / 06 de Novembro de 2018 / 0 Comentários
A- A A+

Motoristas do transporte rodoviário de cargas (TRC) relatam dificuldades para conseguir trabalho devido a restrições impostas pelas gerenciadoras de risco. Segundo eles, profissionais com o “nome sujo” não são aceitos em grandes empresas. Há cerca de três anos, a Entrevias mostrou, em uma matéria especial, casos assim, e, embora a prática seja ilegal, ela continua sendo adotada.

Carreteiro há 32 anos, Misael Alves de Souza, de 53, diz que, desde que ficou desempregado, há um ano, tem encontrado muita dificuldade para se recolocar no mercado. Sem trabalho e, consequentemente, sem dinheiro para manter as contas em dia, ele vive um círculo vicioso: está endividado porque não tem emprego e não tem emprego porque está endividado.

“Elas (gerenciadoras de risco) conseguem burlar a lei, que diz que não podem acessar a Serasa, alegando que o valor do seguro da carga liberado para mim é de R$ 140 mil. Mas, com esse prêmio, não carrego nem uma Kombi. Uma carreta carregada está avaliada em R$ 300 mil a R$ 800 mil”, afirma.

O motorista, que mora em São Paulo (SP), conta que muitos colegas têm vivido e relatado situação semelhante, principalmente junto à Pamcary, empresa de seguros e gestão de riscos no TRC. “Ela é uma das mais fortes, e parece que muitas transportadoras se limitam a ela. Outras gerenciadoras já me liberaram, mas essa tem me restringido. Tenho um ótimo currículo e muitos empregadores interessados em mim, mas não consigo ser aprovado. Estou em uma situação de desespero, com as coisas acabando em casa, contas de água e luz sem pagar, e já coloquei meu carro à venda”, lamenta Souza. 

Justiça

De acordo com o advogado Juselder Cordeiro da Mata, a limitação da contratação de profissionais em função de restrições financeiras é tratada “de forma irrefutável” no artigo 13 da Lei 13.103, de 2 de março de 2015, também conhecida como Lei do Motorista.

“É vedada a utilização de informações de bancos de dados de proteção ao crédito como mecanismo de vedação de contrato com o TAC (Transportador Autônomo de Cargas) e a ETC (Empresa de Transporte Rodoviário de Carga) devidamente regulares para o exercício da atividade do transporte rodoviário de cargas”, determina a lei.

Conforme orientado pelo jurista, caso ocorra uma transgressão, “o motorista poderá notificar extrajudicialmente as gerenciadoras de riscos, fazer denúncias direcionadas ao Ministério Público Estadual ou buscar amparo jurisdicional por meio de tutela de urgência para consagrar os direitos dos motoristas conquistados”.

Um caso emblemático ocorreu no Rio do Grande do Sul, no mesmo ano em que a Lei 13.103 foi sancionada. Em novembro de 2015, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve uma decisão que proibia empresas de seguro e gerenciadoras de risco de indicarem ou não a contratação de motoristas por transportadoras com base em informações sobre restrição ao crédito, situação fiscal, inquéritos policiais e processos cíveis ou criminais.

Uma ação civil pública ajuizada por um sindicato de trabalhadores do TRC já havia recebido uma decisão provisória favorável, por meio de antecipação de tutela, da juíza da 2ª Vara do Trabalho de Uruguaiana (RS). A seguradora, no entanto, impetrou um mandado de segurança, que foi indeferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Em unanimidade, os ministros do TST negaram o recurso apresentado pela seguradora. 

Posicionamentos

Questionada sobre as queixas de restrições à contratação de motoristas com pendências financeiras, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), por meio da assessoria de imprensa, limitou-se a dizer que “a Circular Susep nº 251, de 15 de abril de 2004, trata do tema”.

Ainda conforme informado pela superintendência, o Artigo 2º diz que “a sociedade seguradora terá o prazo de 15 dias para manifestar-se sobre a proposta, contados a partir da data de seu recebimento, seja para seguros novos ou renovações, bem como para alterações que impliquem modificação do risco”.

No parágrafo 4º, a circular estabelece que “ficará a critério da sociedade seguradora a decisão de informar ou não, por escrito, ao proponente, a seu representante legal ou corretor de seguros, sobre a aceitação da proposta, devendo, no entanto, obrigatoriamente, proceder à comunicação formal, no caso de sua não aceitação, justificando a recusa”, finaliza a Susep.

A reportagem da Entrevias entrou em contato com a Pamcary – tanto no escritório em Belo Horizonte quanto na matriz, em São Paulo – para obter um posicionamento da empresa acerca das reclamações apresentadas, mas não conseguiu falar com um representante.

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Entrevias. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Entrevias poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.