Surdos na boleia

Projeto de lei quer regulamentar o acesso de pessoas com surdez ou deficiência auditiva à CNH nas categorias C, D e E

Legislação / 27 de Novembro de 2021 / 0 Comentários
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O Brasil tem cerca de 10 milhões de pessoas com algum problema relacionado à surdez, o correspondente a 5% da população. Quase 3 milhões não ouvem nada, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dentro desse grupo, muitos conseguiram tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria B (veículos leves), enquanto outros tentam, sem sucesso, alcançar as categorias profissionais (C, D e E).

Diante da dificuldade relatada pelos surdos em se profissionalizarem como caminhoneiros, o senador Romário Faria (PL-RJ) apresentou, em agosto último, o Projeto de Lei (PL) 2.634/2021, que pretende alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e permitir a concessão da habilitação em todas as categorias para pessoas com surdez ou deficiência auditiva.

De acordo com critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), o deficiente auditivo é aquele que tem uma redução da capacidade de ouvir sons com um ou ambos os ouvidos. A perda auditiva pode variar de leve a severa, e, normalmente, essas pessoas se comunicam pela linguagem oral e fazem uso de aparelhos ou implantes. Já a surdez, segundo a OMS, é a ausência ou a perda total da capacidade de ouvir com um ou os dois ouvidos. Nesse caso, as pessoas se comunicam por meio da linguagem de sinais.

Romário justificou o projeto afirmando que, conforme consta na Declaração sobre o Direito dos Surdos de Dirigir, da Federação Mundial de Surdos, a surdez não limita de forma alguma a capacidade de uma pessoa de conduzir um veículo. “Um motorista surdo não constitui um risco para o trânsito seguro”, disse o senador.

O CTB não impõe empecilhos para a obtenção da CNH por pessoas com deficiência. No entanto, a Resolução 425, de novembro de 2012, do Conselho Nacional de Trânsito, impossibilita a concessão da habilitação nas categorias C, D e E aos surdos ou deficientes auditivos. “A resolução apenas retira direitos, ao arrepio da lei, sem que haja ganho algum para a sociedade”, criticou Romário. No PL 2.634/2021, ele esclarece que a deficiência auditiva não pode resultar na negativa de concessão do documento em qualquer uma das categorias. 

“Globalmente, não há relatos conhecidos de que motoristas surdos sejam uma ameaça a outros usuários da estrada nos países em que as pessoas surdas podem obter a carteira de motorista, ou que eles estejam envolvidos em mais acidentes de trânsito ou lesões do que a população em geral”, ressaltou o parlamentar.

Movimento

Raquel Moreno é ativista da causa surda e, pela internet, relatou que, atualmente, as pessoas com deficiência auditiva enfrentam muitas dificuldades para obter a CNH nas categorias profissionais, e que ainda falta acessibilidade, como, por exemplo, a presença de um intérprete.

A Lei de Acessibilidade, de 2005, determina que o poder público garanta às pessoas com algum tipo de deficiência mecanismos para acessar todo tipo de serviço. No caso do surdo, são obrigatórios o uso e a difusão da Linguagem Brasileira de Sinais, bem como a tradução e a interpretação dela por servidores e empregados capacitados. O questionamento de Romário e de ativistas da área é justamente acerca do descumprimento dessa norma nos Departamentos de Trânsito (Detrans), por exemplo.

Segundo Raquel, que é surda bilíngue, houve um movimento pelas redes sociais, e surdos de todas as partes do país começaram a relatar situações que viveram nos Detrans ao tentarem tirar ou renovar a CNH.

Um relato da ativista publicado no site Pirapop Notícias, da região de Piracicaba, no interior de São Paulo, mostra que muitas pessoas com surdez possuem o sonho de ser caminhoneiras ou trabalhar na estrada, mas não conseguem porque têm a CNH vetada ou não há acessibilidade durante o processo de obtenção do documento. “Foram dias e dias atendendo ligações de surdos de todos os Estados, cada um com suas solicitações, sonhos, desabafos de momentos de discriminação. Foi necessário muito estômago para digerir tudo o que eu ouvia atentamente”, relatou uma jornalista.

O movimento e a necessidade de mudança na legislação chegaram ao senador Romário, que tem outros projetos para a comunidade surda, e resultaram na elaboração do projeto de lei. O texto ainda precisa tramitar no Senado e, depois, ser enviado à Câmara dos Deputados.

Hoje, os surdos que dirigem precisam afixar um adesivo no veículo para informar a sua condição. Ele deve ser colocado nos vidros traseiro e dianteiro para facilitar a identificação por outros motoristas, agentes e demais autoridades de trânsito.

 

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