MÍDIA FEITA NA CABINE

Profissionais do transporte rodoviário de cargas estão se rendendo ao universo dos influenciadores digitais para mostrar a realidade do setor e as curiosidades do dia a dia na estrada

Capa / 23 de Julho de 2020 / 0 Comentários
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Acidentes nas rodovias, caminhões que chamam a atenção pela imponência, manutenção dos veículos, denúncias de abusos e injustiças que acometem os caminhoneiros. Essas são algumas situações vivenciadas no transporte rodoviário de cargas (TRC) e que, por meio das redes sociais, têm sido apresentadas em tempo real por profissionais do setor que assumiram mais uma função: a de influenciadores digitais.

Em tese, todos aqueles que utilizam as redes sociais são considerados influenciadores. Contudo, a audiência – ou seja, o número de seguidores e o engajamento deles – é o fator-chave. No TRC, esse fenômeno acontece com aqueles que, aos poucos – e, às vezes, até sem intenção –, vão se tornando famosos. É o caso de Claudemir Travain. O paranaense de 43 anos que começou a trabalhar como motorista de truck ainda jovem é uma das referências em conteúdo digital com o canal Realidade de Caminhoneiro, no qual ele mostra o dia a dia dos profissionais com vídeos não editados postados no YouTube e em páginas do Facebook e do Instagram.

“Sou como um repórter sem formação na área. Mostro a realidade, as alegrias e as tristezas do universo do caminhoneiro. Talvez esse seja o meu diferencial: as situações são apresentadas por uma pessoa que também é um transportador autônomo, que passa pelas mesmas coisas”, relata.

A empatia e a credibilidade de Travain são reconhecidas pelo público. Atualmente, a página dele no Facebook soma mais de 540 mil curtidas; no Instagram, há 110 mil seguidores; e o canal no YouTube tem 9.000 inscritos. “Tenho muito respeito pelos profissionais do transporte e, por isso, tomo muito cuidado com tudo o que publico. O objetivo não é expor as pessoas, mas, sim, as situações que acontecem, buscando resolver os problemas”, garante.

Notoriedade do bem

Seguir pelo caminho da visibilidade das questões vivenciadas pelos transportadores tem trazido resultados. Recentemente, o Realidade de Caminhoneiro denunciou o descaso com a conservação dos banheiros das estradas, especialmente neste momento de pandemia, que exige ainda mais higienização para assegurar a segurança sanitária. “Vi aquela cena lamentável e marquei a empresa responsável pela manutenção da limpeza. Recebi o retorno de que a situação foi contornada e que não aconteceria novamente. Graças ao alcance das redes sociais, apresentamos a realidade e buscamos mudar os aspectos negativos”, frisa o transportador.

Travain aprendeu com a vida de caminhoneiro autônomo que publicidade e mobilização geram engajamento. Em 2013, quando o governo do Estado de São Paulo iniciou a cobrança de pedágio para eixos suspensos, ele participou de um abaixo-assinado solicitando a revisão da medida. Para aumentar o alcance do manifesto, ele divulgou a iniciativa no Facebook, mas não teve a adesão esperada. O paranaense não desistiu e continuou publicando suas vivências na plataforma digital, dando início, então, à sua carreira de influenciador. Em 2015, a página estourou (no sentido positivo) com a greve dos caminhoneiros. Travain e o irmão foram protagonistas do início da mobilização em São Paulo. A icônica fila de caminhões na rodovia dos Bandeirantes – estampada em vários jornais – foi liderada pela dupla.

Três anos depois, com mais um movimento grevista dos caminhoneiros, o papel jornalístico de Travain veio à tona. Ele fez a cobertura das ações praticamente todos os dias, das 6h às 2h, e, com isso, a página no Facebook atingiu um número relevante de seguidores. “Meu celular também começou a viralizar. Eu recebia muita informação por meio de aplicativos de mensagens. Aos pouquinhos, as pessoas começaram a me ver como uma referência na divulgação [de assuntos do setor]”, relembra.

Com o aumento da audiência, ele sentiu a necessidade de utilizar outras redes sociais, como o YouTube e o Instagram, mantendo a linha editorial de mostrar o dia a dia nas estradas. “Não é fácil. É preciso muita sabedoria, serenidade e equilíbrio psicológico para presenciar e divulgar as situações. Infelizmente, vivenciamos muitas adversidades, e as pessoas gostam de consumir tragédias. Já cheguei até a interromper as publicações por alguns dias, mas muitos me incentivaram a continuar. É muita responsabilidade”, admite Travain.

Atualmente, ele conta com a colaboração da esposa e da filha para administrar as páginas on-line. No entanto, tudo o que é publicado tem o olhar atento do “dono”. O transportador já possui, inclusive, alguns patrocinadores para ajudar a manter a dinâmica dos posts.

Futuramente, Travain quer transformar o Realidade de Caminhoneiro em uma marca. Para isso, ele planeja criar um aplicativo para centralizar todas as informações e aprimorar a comunicação com o público, além de firmar parcerias com confecções de roupas e acessórios para ter uma grife de marca própria.

 


Coletividade

Um sentimento comum entre os profissionais que divulgam conteúdos relacionados às rodovias é o da coletividade. Kléber Lobo Machado, mato-grossense de 39 anos, contou com a ajuda e o incentivo dos colegas para engrenar nas redes sociais. O caminhoneiro começou gravando vídeos sobre as comidas que prepara na estrada durante as paradas. “Pelo fato de eu ser loiro, um amigo que viajava comigo me chamava de ‘Ana Maria Braga’ e me incentivava a postar no YouTube as refeições. No começo, o apelido que remetia à apresentadora chamou a atenção e foi aumentando a audiência”, afirma. Mais tarde, ele resolveu chamar o espaço de Canal do Polacão, que, atualmente, tem 117 mil inscritos.

Machado conta que nunca teve a intenção de ser um influenciador e que as coisas foram acontecendo naturalmente. O sonho dele sempre foi ser caminhoneiro e ter um veículo próprio, talvez por influência da família materna, formada por profissionais do TRC. A primeira oportunidade de atuar no segmento surgiu quando ele saiu do Exército e foi trabalhar em uma rede de supermercados transportando alimentos e, depois, em uma câmara fria. O mato-grossense também já fez transporte de contêineres e, hoje, possui uma carreta. 

Apesar de não buscar visibilidade, Polacão reconhece que ela ajuda no dia a dia. Certa vez, o motor do caminhão dele fundiu, e os seguidores se mobilizaram e arrecadaram R$ 19 mil. “Não acreditei quando acessei minha conta e vi esse valor. Não fiz nenhum pedido, foi uma iniciativa deles. Meu foco sempre será o transporte, para mostrar os desafios do setor. Vivemos muitas situações tristes, explorações e conquistas também. Poder trabalhar nessa área é a realização de um sonho”, diz.

 

 

Rompendo barreiras

Criar uma relação de confiança com o público demanda tempo e trabalho. Para uma mulher, então, mais desafios são impostos. Em um ambiente majoritariamente masculino, posicionar-se exige também muito esforço. A gaúcha Paula Demeneghi, de 25 anos, tornou-se a primeira motorista profissional de veículos de carga em uma transportadora de Canoas (RS). “Na região, é mais difícil a atuação de mulheres como motoristas, pois predomina o setor graneleiro, que requer manuseio de capas. Como eu trabalhava em um centro de truck, manobrava caminhões e aproveitava para conversar com os motoristas, verificando se havia uma oportunidade. Foi então que comecei a transportar para uma indústria de bebidas e a divulgar o dia a dia nas estradas nas mídias digitais”, conta.

Simpática e articulada, ela logo alcançou engajamento: 56 mil inscritos no canal do YouTube, mais de 100 mil seguidores no Facebook e 1.300 no Instagram.

Durante uma viagem a trabalho em 2019, Paula sofreu um acidente, caiu do caminhão e lesionou o quadril. O episódio mudou um pouco o rumo da vida dela, que, atualmente, trabalha na área automotiva de trucks fazendo a reprogramação eletrônica dos motores. “O meu projeto é comprar um caminhão para divulgar e participar de eventos em todo o Brasil. Será uma oportunidade de continuar próxima do mundo das estradas e do transporte rodoviário de cargas”, planeja.

 

Tem lugar pra todos

Não é apenas o caminhoneiro – um dos elos da corrente que forma o transporte de cargas – que utiliza as redes sociais para mostrar a realidade do setor. O pintor de caminhões Maycom Douglas Nunes de Oliveira, de 28 anos, ganhou visibilidade graças ao trabalho artístico que faz em rodas. “Comecei lavando caminhão quando era criança e, depois, passei a pintar placas e a fazer ajustes na pintura. Fui evoluindo e desenvolvi uma técnica de trabalho com equipamento a jato”, detalha.

Natural de São João de Manhuaçu (BA), Oliveira sempre teve uma relação estreita com o transporte rodoviário de cargas. Os pais costumavam ajudar os motoristas que passavam pela região doando alimentos e remédios, enquanto ele via com carinho o trabalho dos transportadores e sentia vontade de deixar os caminhões bonitos e diferentes.

Um dia, o pintor pegou carona e foi atrás do DJ Wagner, que conhecia seu trabalho. Andou um bocado e conseguiu se encontrar com o artista, que o ajudou muito a ter visibilidade. Desde então, Oliveira utiliza as redes sociais para mostrar sua atuação e a realidade do setor com um olhar verdadeiro, sem edição.

Como ele desenvolveu uma forma itinerante de trabalhar – coloca os equipamentos na carretinha e roda o país todo pintando caminhões –, presencia e divulga muitos fatos. Atualmente, a página dele no Instagram conta com 180 mil seguidores, e o canal no YouTube, com 52 mil inscritos.

“Sempre fui apaixonado por caminhão. Esse é meu combustível para trabalhar feliz todos os dias. Sei que a realidade do transporte não é nem a metade do que mostramos. O caminhoneiro carrega dentro dele uma paixão pelo veículo. Então, sempre faz de tudo por ele. Inclusive deixa o ‘bruto’ bonito, apesar das dificuldades”, destaca o baiano.


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